Os tantos desdobramentos da crise brasileira têm gerado
uma constatação de que a democracia brasileira erra pelo déficit de
participação. O modelo de democracia representativa, na forma como é adotado no
Brasil, sugere que os parlamentares tenham “carta branca” para decidir em nome
dos brasileiros sobre questões pertinentes da nação. E tal decisão, no caso de
uma representação descompromissada com um projeto político ou ameaçadora dos
direitos fundamentais, só pode ser corrigida no prazo de quatro anos em outro
pleito eleitoral.
Não temos regulamentado ainda um mecanismo que amplie as formas de participação popular. Refiro-me ao artigo 14 da Constituição que permite o referendo, o plebiscito e a consulta popular sobre temas relevantes da nação. Consequência desta não regulamentação é o fato das emendas populares, mesmo tendo milhares de assinaturas, só entrarem no Congresso como Projeto de Lei, se forem “apadrinhadas” por algum parlamentar.
Isto leva a perguntar sobre a compreensão de participação, ou o ato de tomar parte, de assumir-se responsável por um processo. Lembro três situações de participação: a primeira se dá quando há o convite para entrar em um processo que já foi pensado, as decisões foram tomadas e você vai acolher o processo nos seus momentos finais. A segunda situação se dá quando o processo é pensado na sua estrutura fundamental e a pessoa ou grupo é convidado a compor tal processo, sem, contudo, ter um poder maior de interferência nas decisões já tomadas. Há possibilidade de interferência, mas sem mudar em profundidade o já pensado. Uma terceira possibilidade está na construção de um processo desde o princípio, onde o ponto de partida é uma ideia ou uma proposta ainda não alinhavada, com a possibilidade de a pessoa ou grupo assumir a responsabilidade desde o princípio. Nesta terceira possibilidade se abre a perspectiva de um profundo processo de aprendizagem teórico-metodológica.
Um dos limites do processo político brasileiro está na noção de participação. Compreendemos a participação neste caso como a oportunidade de votar e ser votado. O desafio é muito maior e passa pela criação de mecanismos que permitam que os brasileiros tenham condições de interferir nas decisões sobre temas importantes da nação e consequentemente das suas vidas. Os poucos que lembram em quem votaram no último pleito federal talvez não saibam que empresa financiou a campanha do seu candidato e quais exigências tal empresa fez ao mesmo, muitas destas pouco republicanas.
O desafio da reforma política, além de eliminar alguns vícios do nosso sistema eleitoral consiste em construir processos que ajudem os brasileiros a verdadeiramente participarem das decisões sobre o país. É uma tarefa pedagógica urgente e necessária. A participação constrói responsabilidades e cria condições para cobrar as responsabilidades. Nosso quadro política revela que precisamos crescer nestas duas dimensões. E a formação para a participação seria uma contribuição valiosa.