Na
reunião diocesana havia necessidade de se escolher alguém para ser o orientador
espiritual de um movimento de jovens, ligados à Igreja. Todos concordaram sobre a necessidade de um
guia espiritual para que os membros do grupo espiritual não desanimassem diante
das dificuldades que sempre surgem com o andar do tempo. Quando o indicado
colocou as dificuldades para assumir este compromisso e justificou a recusa ao
convite, pois, não havia mais espaço na agenda, todos o motivaram com afirmações
nestes termos:
- Mas é só estar presente nos retiros. Mas é só marcar presença nas reuniões, pois eles têm coordenação própria. É só fazer uma reza e reflexão no início e no final das reuniões. É só animá-los. É só ajudar na programação deles...
E todos seguiam incentivando-o a assumir esta missão. E assim estariam livres de mais um compromisso que, de agora em diante, seria da responsabilidade única do novo assistente.
Após dar o “sim”, o novo orientador veio a conhecer a realidade do só, já no primeiro mês da nova missão. Eis algumas tarefas que não foram elencadas antes de assumir a nova missão: participação nas reuniões para o planejamento do grupo, encontros com a coordenação, visita a um membro doente em hospital, acidente grave de um jovem do grupo que posteriormente veio a falecer, velório e missa de corpo presente, visita à família enlutada e celebração de sétimo dia.
No primeiro mês, seguiram-se ainda as seguintes tarefas, não previstas no só: entrevistar jovens do grupo devido às brigas com namorados, longas conversas com os pais dos jovens, uns porque não queriam estudar, outros porque não se motivavam para trabalhar, acompanhar jovens à procura de trabalho, apresentá-los à direção de empresas, ocupar longo tempo ouvindo jovens em depressão, atender os membros do grupo em qualquer horário, mesmo tendo outros compromissos na agenda e assim por diante.
Na primeira avaliação do movimento, a observação que apareceu várias vezes: o assistente deve dispor de mais tempo para o grupo, pois está muito ausente do dia-a-dia dos jovens.
Em torno do só há uma esperteza que está presente por toda parte. Quando alguém leva a TV para o conserto, o dono já previne: deve ser somente um fiozinho solto. Na mecânica, já adiantam o defeito do carro: deve ser só uma coisa desregulada. No consultório médico alertam ao profissional: deve ser só um mau jeito. Ao carpinteiro antecipam: deve ser somente uma telha quebrada. Tentam convencer o policial: foi só um descuido, uma pequena desatenção. Então aprendem o valor do só quando ele observa com o mesmo eufemismo:
- São somente alguns reais de multa e só seis pontos na carteira.
Todos querem minimizar os trabalhos que os outros fazem. Em tudo aparece o só, para classificar a ação a ser realizada como algo sem muito valor. Todavia, as pessoas sabem a “fria” que seu semelhante entra depois que aceitar a tarefa proposta. E ficam caçoando porque foram vítimas de um ardil diabólico.
*A Fundação Cultural Planalto de Passo Fundo salienta que o texto reflete a opinião de seu autor.