Devido à insegurança nas estradas e também o
aumento de desconfiança nas pessoas, está cada vez mais difícil oferecer carona
a qualquer um que a solicita ao longo de nossas estradas. Há muitas histórias
contadas pelos motoristas que, na boa fé, foram ludibriadas pelos pedintes de
carona: foram assaltados em seus pertences pessoais e muitas vezes levaram o
veículo, deixando o condutor amarrado num mato, impossibilitado de pedir
socorro.
Tendo ouvido muitas histórias desse gênero, programei uma longa viagem, já com essa resolução: carona jamais. Andei, todavia, alguns quilômetros e num lugar descampado, um senhor solicitava carona. Logo concluí: Este é um trabalhador sério e sem maldade. Parei e deixei-o embarcar. O destino era andar mais ou menos uns cinquenta quilômetros, parando num trevo de entrada para uma cidade.
Na semana anterior, no trevo onde nosso caroneiro tencionava parar, aconteceu um grave acidente, no qual morreu o motorista do automóvel, um padre de mais idade. O assunto ainda era o comentário da região. Não se sabia bem as circunstâncias do desastre, nem como foi e nem sabiam quem era o culpado. A conversa corria solta.
Meu companheiro de viagem não inquiriu sobre a minha procedência, a função que exercia, nem me identificou como padre. Nessa vantagem, observei-lhe:
- Então morreu um padre neste acidente?
- Ah, sim. Morreu um padre – respondeu prontamente.
- Era seu conhecido?
- Não. Diz que era de longe.
- Os padres não sabem dirigir bem! – provoquei-o para obter alguma opinião dele.
- Ah, não sabem. Só sabem rezar missa – concluiu ele com certa convicção.
- Eu nunca iria andar de carona com um padre – continuei.
- Eu também não. Só um louco mesmo – arrematou logo.
Mudei de conversa porque tencionava identificar-me somente no final da viagem. Falamos então do tempo, das plantações e criações, das máquinas modernas e assim por diante.
Ao chegar no local indicado, junto ao trevo, ainda se encontravam restos dos carros acidentados, na semana anterior. Identifiquei-me como padre. Ele não parava de pedir desculpas pelos comentários feitos. E segui viagem feliz por ter dado carona a uma pessoa realmente necessitada. Ele prometeu rezar pelo padre acidentado.
A imagem e o diálogo com uma pessoa desconhecida mudam totalmente quando não se tem uma carga histórica repassada por outros. Não há preconceitos e toda conversa acontece de maneira franca, transparente e sem rodeios. Em grupos e ambientes tradicionais, onde todos se conhecem há mais tempo, o relacionamento se torna difícil, porque o “diz que, diz que” funciona a mil. Criam-se imagens preconceituosas, que tornam difícil ou impossível uma caminhada conjunta.
*A Fundação Cultural Planalto de Passo Fundo salienta que o texto reflete a opinião de seu autor.