Já se passa mais de uma centena de anos desde a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel declarando extinta a escravidão (1888). O texto é conciso, com apenas dois artigos: 1- É declarada extinta a escravidão no Brasil. 2- Revogam-se as disposições ao contrário.
Até então a população afro-brasileira tinha amargado quase três séculos de escravidão sustentando com sua força de trabalho a economia do Brasil a partir da servidão na lavoura de cana, mineração ou como escravos de ganho (escravo alugado para alguns serviços: barbearia, alfaiataria, capina, confeitaria, dando o dinheiro para o seu dono). A economia do Brasil seria outra se não tivesse amparada na escravidão.
A assinatura desta Lei não foi algo caído do céu. De parte da sociedade já havia um forte movimento de reação à escravidão. De parte dos negros as reações duraram os três séculos de escravidão. Aconteciam através das fugas, boicotes, organizações quilombolas e outras formas de enfrentamento. A lei Áurea foi assinada quando a escravidão já perdia o apelo social e econômico.
Mas ficou uma dívida social imensa. Muitos saíram do trabalho escravo sem as mínimas condições reiniciar a vida em liberdade com moradia e trabalho assegurado. Para as mulheres restou o serviço doméstico, até anos atrás sem legislação de proteção. Para os homens restou o trabalho informal e o cuidado com as forças policiais por causa da “lei anti-vadiagem” que punia quem fosse encontrado na rua sem um emprego formal (código penal de 1890).
O Estado brasileiro que por séculos sustentou-se à custa do trabalho escravo não previu no contexto da assinatura da Lei Áurea formas de inserção da população negra na sociedade pós-escravidão. Por isso a dita lei é considerada incompleta. Aboliu a escravidão, mas não previu medidas compensatórias para os negros que deixaram o trabalho servil.
No dia 13 de maio, data de aniversário da assinatura da Lei Áurea vale a pena olhar para esta “outra” história do Brasil e tomar cuidado com o famoso discurso da meritocracia contrário as cotas sociais e raciais. A nação tem uma imensa dívida para com o povo negro. Ainda não foi paga.
*A Fundação Cultural Planalto de Passo Fundo salienta que o texto reflete a opinião de seu autor.