Por questão de
atividades acadêmicas me desafiei a estudar um pouco mais da cultura africana e
a filosofia que a orienta. Uma das
temáticas que mais me chamou atenção foi a compreensão do lugar do ser humano
no mundo.
O ponto de partida é a ideia de que o ser humano não é isolado no mundo. Ele é com os outros, sobretudo com a sua família mais próxima, a família ampliada e com os outros. Esta orientação, acolhida em nossos dias, ajudaria a superar o princípio do individualismo que tanto marca a cultura ocidental, explicitado muitas vezes em uma condução de vida egoísta que busca a proximidade com o outro segundo interesses particulares. Um olhar para a tradição filosófica africana no aspecto do relacionamento humano poderia ser proveitoso para todos nós.
Na perspectiva histórica, o jeito africano de viver ensina que cada pessoa, no tempo de vida que tem, é ligada a uma história, a uma tradição. A sua existência se deve aos seus antepassados que lhe deram a vida e, por isso, tem para com eles uma grande dívida. Também tem relação com as gerações futuras. A sua história será continuada nos filhos e netos e na contribuição que deixou para o seu grupo social e seu ambiente de vida. A pessoa não está isolada historicamente. Ela é no presente, em relação ao passado e em relação ao futuro.
Na perspectiva da relação com a criação compreende-se que a pessoa é parte dela. Ela está integrada ao mundo criado pela força e gosto de Deus. A integração com o mundo criado guia-se pela relação com mundo visível, perceptível pelos sentidos; e invisível, perceptível pela experiência mística. Ambos têm igual importância. Neste caso, a pessoa busca uma profunda comunhão com o universo, porque desta comunhão depende a sua força vital, o seu bem viver. Demanda desta responsabilidade o respeito para com a ordem da criação, a qual não pode ser rompida, sob o risco de estar desrespeitando o sagrado ali presente.
Na perspectiva das relações interpessoais tem-se como referência a noção de pessoa. A pessoa é como um todo, não dividida em dimensões desconectadas entre si, herança que trazemos da ciência moderna. No caso da doença o problema poderá não ser apenas físico, mas poderá envolver outros aspectos, até mesmo externos, que estão afetando sanidade pessoal. Esta pessoa única vive na coletividade humana a qual influencia e dela sofre influência. A noção de individuo isolado e ou de relações fluidas com seus semelhantes não condiz com uma vida sadia. Por isso não se compreende pessoa fragmentada existencialmente e muito menos apartada dos seus semelhantes.
Estas três dimensões, a saber, a historicidade, a relação com a criação e a relação com os semelhantes, são tidas como estruturantes do existir. Preza-se muito a manutenção desta harmonia visto que, dela depende a sobrevivência do ser humano e a manutenção do seu ciclo vital. Qualquer rompimento implica na fragilização pessoal e também do comunitário.
Que estes princípios possam ajudar iluminar as nossas relações pessoais, com o mundo criado e com a nossa história de vida.