Assistimos
no final de semana passado, por ocasião do carnaval, o desfile de algumas
Escolas de Samba que, nos seus diferentes sambas-enredo, nos provocaram à
reflexão. Em todo o Brasil outras formas de diversão carnavalesca não deixaram
de sugerir uma leitura critica do atual contexto brasileiro.
As diferentes manifestações do carnaval são produções artísticas. E a arte tem a capacidade de fazer uma leitura de mundo de um jeito original, mas não menos comprometido. Neste sentido a arte é orientação, quando aponta para um caminho possível. É profecia quando denuncia situações de ameaça à vida e a dignidade humana e ao mundo criado. A arte também faz refletir, provoca a pessoa a sair do senso comum e ler os fatos da vida de uma forma mais aprofundada.
Dá visibilidade a temas que nem sempre a sociedade acolhe como importantes. Foi significativo o enredo vencedor tematizando a trajetória das mulheres negras no Brasil apresentado pela Escola de Samba Viradouro.
Destaco aqui a apresentação da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. A Escola se dispôs a apresentar para o público a história de Jesus de Nazaré. Sem dúvida o resultado do trabalho foi fruto de pesquisa e também de uma hermenêutica original. Apresentou-se uma interpretação dos fatos da vida de Jesus. Não é novidade. Ao longo da história do cristianismo sugeriu-se tantas outras interpretações da vida e missão de Jesus. Algumas próximas dos evangelhos que são o testemunho mais fiel da vida do homem de Nazaré e outras muito distantes. A Escola de samba falou de Jesus através da arte em suas diferentes dimensões. Certamente surgirão críticas. Muitas críticas. Alguém já opinava que a imagem de Jesus crucificado como um jovem negro favelado era muito feia. Mas podemos nos voltar à imagem de Jesus chagado, crucificado, agonizando na cruz que está em nossas casas e igrejas. Esteticamente não é das mais atrativas. Mas ali está o filho de Deus, aquele que nos amou até o fim. E está também na imagem do jovem negro favelado.
Os organizadores do desfile procuram retratar Jesus no corpo do negro, do indigena, da mulher e tantas outras pessoas com a vida e a integridade física ameaçadas. É possível que tenha escandalizado os puristas que viram nisso grande pecado.
Contudo vale a pena retomarmos o evangelho de João, primeiro capítulo. Ali o evangelista afirma que Jesus é o verbo encarnado morando no meio da humanidade. E o verbo se fez carne e veio morar entre nós (Jo 1, 1). Significa que Jesus assumiu a condição humana nas suas grandezas e limitações. Esteve presente na história da humanidade nas condições que esta história permitia. Fez isso para conduzir a humanidade à salvação. Cabe reforçar: assumiu a condição de todos os humanos e não apenas de grupo. Fez isso para salvar a todos.
O evangelista Mateus descreve as consequências da opção de Jesus de se encarnar. Em Mateus, 25, 31-46 o Filho de Deus afirma os critérios de salvação para os homens e mulheres, a capacidade de reconhecê-lo no faminto, sedento, estrangeiro, na pessoa nua, no doente e no preso. Ver Jesus nestas pessoas e agir para o seu bem, matando a fome e a sede, vestindo, visitando, ou seja, dando uma atenção samaritana e misericordiosa é o grande critério de salvação. Jesus, o Filho de Deus, se fez presente nestas pessoas, porque se encarnou para salvar a todos.
Quando a Escola retrata as diferentes realidades do povo pobre nos dias atuais e diz que Jesus está ali o faz a partir de uma hermenêutica dos evangelhos, dialogante com os nossos dias. Provoca-nos a rever as nossas concepções de Jesus e como consequência, a nossa experiência de fé cristã.
Que Jesus acolhemos em nossa vida e procuramos seguir?