O COVID 19 pegou todo o mundo de surpresa.
Quando ouvíamos a notícia das dificuldades na China não prestávamos tanta atenção.
Aquilo era muito longe. Jamais chegaria ao Brasil. Tal fato lembra o poema de
Bertold Brecht sob o título “Intertexto” que narra o drama da pessoa que
assiste passivamente o sofrimento alheio até que ela mesma se torna vítima, mas
sabe que ninguém virá em seu socorro, porque ela mesma nunca se importou com
ninguém.
Pois a pandemia chegou até nós e a tantos outros lugares. Devemos sim nos importar. De uma forma ou outra está afetando a todos. É o inimigo comum da humanidade. O seu enfrentamento requer algumas alianças. A palavra aliança se origina do termo latino alligare que significa comprometimento mútuo de duas partes. A tradição bíblica descreve várias alianças entre Deus e o povo até que Jesus selou a aliança definitiva pela salvação da humanidade (Lc 22,20). O comprometimento mútuo firmado na aliança permite um projeto comum considerando as diferenças. O projeto comum dos brasileiros é o enfrentamento do COVID 19 e, neste processo, se apresentam inúmeros aliados. Lembro alguns.
A ciência certamente também foi surpreendida pela rapidez e consistência do avanço da pandemia. Em reação, tem feito uso do conhecimento adquirido para dar um mínimo de orientação à população para aumentar a prevenção e diminuir a morbidade e sofrimento das pessoas. Também tem dado celeridade às pesquisas que permitem o uso de remédios que inibam a doença, sem gerar efeitos nocivos ao organismo. O que tem se proposto não é ideia de uma ou outra pessoa, mas mecanismos considerados de eficiência comprovada no enfrentamento da pandemia, tanto no caso da prevenção como no tratamento dos infectados. Desconhecer as orientações da ciência é atitude de grande irresponsabilidade.
A outra aliada é a solidariedade. O poema de Bertold Brecht menciona alguém fechado à solidariedade. Contudo é ela que salvará a humanidade, e, nestes tempos tornará o fardo de muitas pessoas mais leve. Compreende que a vida do sujeito não se estrutura sob uma base egoísta, mas no encontro e partilha da existência com o outro, algumas vezes se doando e em outros momentos acolhendo um gesto de doação. O Papa Francisco na Exortação Evangelii Gaudium afirma que: embora um pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a palavra «solidariedade» significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade; supõe a criação duma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns (EG 188). Nestes tempos de grandes dificuldades urge extrapolar o compromisso em sermos solidários. Felizmente, tem se visto muitas iniciativas bonitas na sociedade. É capacidade de olhar para o irmão e viver verdadeiramente a fraternidade.
Para nós cristãos existe outra aliada fundamental, a nossa fé. Professar a fé não significa desconhecer ou negar a ciência e sua positividade na vida humana. O Papa João Paulo II na Encíclica Fides e Ratio (Fé e razão) afirma que fé e razão não são contrapostas: constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. A fé abre os horizontes, renova a esperança, coloca a pessoa no caminho da missão, como aconteceu com os discípulos. A fé convida a olhar para o horizonte da trajetória humana sem desconhecer o chão em que se pisa, com suas luzes e sombras. Não acomoda, mas faz agir. Permite acreditar que vamos, com a força de Deus e iniciativa humana, superar este tempo de trevas. Não podemos desconhecer esta aliada. Lembrando Pedro, mais do que nunca precisamos dar as razões da nossa esperança (1Pd 2,9) ela se sustenta na fé e no diálogo com a criatividade humana.
Possamos acolher estas dimensões humanas como aliadas nesta travessia. São importantes e nos farão mais fortes diante deste inimigo comum.