RABISCOS SEMANAIS: “Se vocês se calarem, as pedras gritarão!”

 24/11/2020 - 08:30hrs
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A experiência do caminho de alteridade em construção dialética é processo contínuo a partir de um passo primeiro. Há 35 anos, São João Paulo II, propunha aos jovens do mundo uma caminhada, sob batismo, Jornada Mundial da Juventude. Em 2020, “depois de ter ouvido o parecer de várias pessoas e o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, que é competente no que se refere à pastoral juvenil, decidi transferir, a partir do próximo ano, a celebração diocesana da JMJ do Domingo de Ramos para o Domingo de Cristo Rei”, propôs o Papa Francisco.

Transformar realidades, passo-a-passo, demonstra ser uma habilidade ímpar ao Sumo Pontífice, não é verdade? Francisco, expressa jovialidade pastoral e vivacidade missionária ao conduzir a Igreja Católica, mas também como líder referencial além “muros” eclesiais. A centralidade de sua práxis, à luz do Evangelho, inspira outras pessoas à sinodalidade universal. A condução do Bispo de Roma “à mística do bem comum” é convite constante.

Escutar e medrar utopias possíveis, ante uma realidade contemporânea descreditada, é esperançar ao octagenário Jorge Bergoglio, adolescente/jovem Papa Francisco. Passos significativos à vitalidade socioeclesial e político econômica nutridos por uma espiritualidade encarnada à vida, celebrada em fraterna comunhão na Solenidade de Cristo Rei, pós evento online “Economy of Francesco”.

Na entrega dos símbolos da JMJ pelos jovens panamenhos aos jovens portugueses, Francisco recordou que “no centro permanece o Mistério de Jesus Cristo Redentor do homem, como sempre destacou São João Paulo II, iniciador e patrono da JMJ”; e motivou aos jovens para que, com suas vidas, gritem “Christus Vivit”!  “Se vocês se calarem, as pedras gritarão”, expressou o Papa.

O protagonismo juvenil é caro aos olhos, ouvidos e ao coração pontifical. Francisco, desde outrora, é exímio engenheiro de pontes e alfaiate de processos dialógicos, nos quais interage com interlocutores(as) diversos. Recorrendo-se, por exemplo, as notícias veiculadas pelo site “Vatican News” referentes a “Economia de Francisco”, ter-se-á uma noção da amplitude, neste tempo, mesmo que virtual, do construto aspirado.

Francisco, dirigindo-se aos participantes do encontro online, pediu: “não se esqueçam desta palavra: iniciar processos”. Mais!  “Para mim, este encontro virtual em Assis não é um ponto de chegada, mas o impulso inicial de um processo que somos convidados a viver como vocação, como cultura e como pacto”. Fez-se perceptível, desde a leitura da carta convite, assinada pelo Papa, que “não seria um encontro tradicional, com jovens sentados a ouvir especialistas e professores de economia, mas que seriam eles os protagonistas absolutos” (Adriana Masotti e Silvonei José). De início, três jovens, mediando a conversa, em Assis, transmitiram cordial saudação aos demais jovens e adultos, participantes.

No primeiro dia, que encerrou-se com uma releitura do “Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, sob a interpretação do Reino Unido, propondo refletir que, via celular trazemos o mundo à palma das mãos, mas há inúmeras dificuldades em compreender o significado de, fraternal e amistosamente, preocuparmo-nos com a preservação da vida de uma rosa, escutou-se o cardeal Peter Turkson dizer: "vocês decidiram dar vida a uma rede global de jovens que iniciará a mudança [...]. Decidiram ajudar o Papa, a Igreja e o mundo a realizar uma economia inclusiva e justa, ao serviço de todos, uma economia social que investe nas pessoas, garantindo formação e trabalho digno". 

Francisco, no decorrer das reflexões, fazendo memória a década de 1970, quando pisava o chão latino-americano, em suas experiências pastorais na Argentina, recordou uma visita pelas periferias e ruas, muitas vezes, com portas, muros e espaços fechados à ousadia, pois, eram vívidas à indiferença, causando-lhe forte sensibilização; questionou a todos(as): “o seu coração é como um condomínio fechado?” A proposição de Bergoglio faz refletir, oportunamente, sobre um “tempo de ousar o risco de favorecer e estimular modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade em que as pessoas, e especialmente os excluídos, entre os quais a irmã terra, deixem de ser uma presença meramente funcional, para se tornar protagonistas de sua vida, assim como de todo o tecido social […]. Não pensemos por eles, mas com eles”.

Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e criador do microcrédito moderno, apresentou fervorosa crítica ao “princípio da maximização do lucro”, durante a conferência sobre "Finanças e Humanidade: o caminho para uma ecologia integral". Uma possível alternativa fora apresentada a partir dos chamados “Bancos da Misericórdia”, nascidos por iniciativa dos Franciscanos, no intuito de apoiar pessoas em dificuldade.

 Paolo Foglizzo, propôs refletir, no campo central do trabalho, a dinâmica do trabalho em rede por todo mundo. Pela Universidade de Toronto, Jennifer Nedelsky, destacou a importante relação entre trabalho e cuidados. Segundo Nedeslky, para ocorrer uma boa economia é essencial consolidar uma “reestruturação do trabalho” e das horas trabalhadas entre homens e mulheres, havendo uma releitura de responsabilidades, pois, “o trabalho de cuidado” não está separado do trabalho em sim, mas é a sua “base fundadora”.

Na sociedade atual, não é admissível mais tolerar desigualdades, injustiças e exclusão, pois, no dizer do Papa Francisco, nenhuma pessoa, nenhum ser humano, tem o direito de sentir-se “mais humano do que outro”. A cultura do descarte precisa saber que está com seus dias contados. Que reação ter-se-á, então? "Passada esta crise sanitária que estamos vivendo, a pior reação seria cair ainda num febril consumismo e em novas formas de autoproteção egoísta. Colhamos a oportunidade e coloquemo-nos todos a serviço do bem comum. Que no final não existam mais 'os outros', mas um grande 'nós'” (Papa Francisco).

Francisco, exorta a ser fermento e a não ter medo de se envolver: “a vocês jovens, provenientes de 115 países, dirijo o convite a reconhecer que necessitamos uns dos outros para dar vida a esta cultura econômica, capaz de fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer esperanças, enfaixar feridas e criar relações”. É convite à sonhar, além Igreja, como ousou Myrian Castello, mineira não católica e partícipe do encontro, ao pensar a “Fábrica dos Sonhos” como um projeto onde o “direito de sonhar” seja incluído entre os direitos humanos.

Gabriela Consolaro, Florianópolis SC, testemunha: “no Brasil, nos sentimos ainda mais perto, partilhando as realidades latino-americanas e sonhando com um mundo que atente ainda mais às nossas experiências, necessidades e potencialidades. A expectativa é que este encontro nos impulsione e fortaleça ainda mais na direção da justiça social, que exige de nós coragem e perseverança, hoje e sempre”. Andrei Thomaz, Pelotas RS, partilha que: “O desafio para as juventudes do século XXI é aprender a reabitar esta grande casa comum sob o paradigma do cuidado. A espiritualidade que nasce em Assis e que torna-se global e juvenil através da Economia de Francisco, é um convite à economia da partilha, do dom, da solidariedade, da criatividade e da comunhão, pois o Reino de Deus é um projeto comunitário”.

Portanto, amadas(os) jovens, ousamos cantar a esperança de Francisco. “Cantar pra externar o que há por dentro [...]. Cantar pra tirar os pés do chão”. Caminhando e cantando “a razão e o fundamento, pra quem no andejar do tempo, não consegue mais sonhar”. Vamos juventude, ser fermento à sociedade, com coragem, protagonismo, como profetas da Civilização do Amor que “reacende a esperança, traz toda a tua bonança, reensina a amar” (Cantar – Natalicio Cavalheiro e Marcelo Fener). Porque “as consequências de nossas ações e decisões afetarão vocês em primeira pessoa. Não permaneçam fora dos lugares onde o presente e o futuro são gerados. Ou vocês se envolvem ou a história passará por cima de vocês” (Papa Francisco - @Pontifex_pt).

 

Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 24 11 2020.

 

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