A vida é uma construção em alteridade integral. Desde o ventre materno somos tocados por inspirações diversas, sejam elas genéticas, biológicas, sensoriais, psíquicas, afetivas, não é verdade? O desenvolvimento humano integral é tema caro à Doutrina Social da Igreja, sabe? Papa Francisco, inclusive, expressa que a perspectiva do desenvolvimento humano integral, enquanto caminho, “é uma boa notícia a profetizar e implementar, pois propõe que nos encontremos como humanidade com base no melhor de nós mesmos: o sonho de Deus, que aprendamos a cuidar do nosso irmão” (cf. Gn 4, 9; Economy of Francesco).
Por vezes, reflito a grata beleza, sensibilidade e laboriosa vida de artistas, compositores(as), poetas e poetisas, artesãos(ãs), luthiers, como dom transcendental, compreende? Gestar projetos artísticos, esculturas, pinturas, peças teatrais ou mesmo instrumentos musicais é habilidade ímpar, tocada por certo mistério sagrado, não? Uma espiritualidade utópica em construção na mística do bem viver societário. O gérmen da utopia, pode-se dizer, é gestado no ventre da luteria da criação, a humanidade que habita a Casa Comum.
Luthier é a pessoa que tem por profissão e paixão construir e consertar instrumentos musicais de forma artesanal. A expressão francesa “luthier” deriva de “luth” que significa alaúde, instrumento de cordas com origem árabe. A arte de luteria, do francês lutherie, é antiga e chega à contemporaneidade como sinônimo, talvez, de atelier. Hábeis mãos a serviço da arte, da sustentabilidade, da fraternidade universal e, por que não dizer, da amizade social em construto permanente.
Aos amantes de música, por exemplo, é perfume balsâmico à vida escutar a sonoridade equalizada entre instrumento e instrumentista. À liturgia da vida, que prima pelo que é autentico e natural, degustar a harmonia melódica de um instrumento fabricado a mão não tem preço, pois, mesmo a mais precisa de todas as máquinas tecnológicas é incapaz de dar sacralidade e sentimento à música, sem o toque humano e transcendente, entende?
Na história da humanidade, desde outrora até nossos dias, certamente há inúmeros(as) luthiers com talentosas características. Em sua gênesis, luthiers trabalhavam apenas na construção e reparos de instrumentos acústicos de corda com corpo em madeira, como violinos e violoncelos. Atualmente existem outras possibilidades. É interessante pensar, neste ínterim, que para cada aprendiz, faz-se necessário uma pessoa que lhe acompanhe e compartilhe conhecimentos. Na oficina artesanal a alteridade de saberes acontece na dialética entre mestres e aprendizes. Jesus de Nazaré, aprendera a arte da carpintaria com José, esposo de Maria, não é verdade? E, posteriormente, o menino tornou-se um jovem conhecido e considerado, conta a tradição e narrativa bíblica, como Mestre de sabedoria admirável.
Jesus Cristo, à luz da vontade do Pai, propondo uma alternativa de vida e sociedade, nominada Reino de Deus, tornou-se luthier da utopia à comunidade de seguidores(as) e prossegue como fonte e razão de missão à cristãos e cristãs. O jovem Francisco de Assis, grande inspiração à missão apostólica do Papa Francisco, rezava: “Senhor, fazei-me instrumento” capaz de transformar realidades, pessoas e situações. Seu testemunho é notável, tanto em seu tempo quanto hoje, certo?
Amadas(os) jovens, neste contexto contemporâneo, nosso ateliê é a sociedade, a Igreja, a vida disposta à transformar-se através de nossas hábeis e abençoadas capacidades criativas, seja pelo viés de nossas mãos, pés, olhos, ouvidos, boca, mente, coração e com toda nossa existência humana em alteridade, também com a natureza. É-nos sabido que, “um futuro imprevisível já está em gestação; cada um de vós, partindo do lugar onde trabalha e decide, pode fazer muito; não escolhais atalhos, que vos seduzem e impedem de vos misturardes para ser fermento onde vos encontrais [...]. A história ensina-nos que não existem sistemas nem crises que possam anular completamente a capacidade, o engenho e a criatividade que Deus não cessa de suscitar nos corações” (Papa Francisco).
Sejamos corajosos(as) à luteria da Civilização do Amor. Assim como o(a) luthier é exímio conhecedor(a) de música e acústica, dominando técnicas de carpintaria, desenho, elétrica e mecânica para bem confeccionar instrumentos musicais raros, ousamos estar juntos(as) nos mais diversos espaços aptos à construção deste outro mundo possível. Bons luthiers são encontrados(as) para além de suas oficinas particulares, sabe? É possível descobrir tais talentos nos bastidores de orquestras, escolas de música, grandes fábricas e lojas de instrumentos; em setores diversos, portanto.
O Ministério da Educação (MEC), para saber, registra no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, uma formação na área de Técnico em Fabricação de Instrumentos Musicais, capaz de formar profissionais aptos à construir, restaurar, conservar e afinar instrumentos, salvaguardando aspectos eletrônicos, acústicos, sonoros e regionais. A Universidade Federal do Paraná (UFPR), ademais, dispõe o Curso Superior de Tecnologia em Luteria à quem desejar qualificar-se em nível acadêmico. A Itepa Faculdades, em nosso chão passofundense, a saber, está a serviço da sociedade através da Teologia, enquanto ciência e práxis pastoral à vida. Há muitos campos à trabalhar e magníficas ferramentas. O convite à luteria da utopia é projeto de vida. Coragem!
Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 01 12 2020.