Que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção! (Sl 66)
Estamos chegando ao final do ano de 2020. Como dizia um
colega. Felizmente estamos vivos. É
consenso que foi um ano atípico para toda a humanidade e foi um ano difícil
para muitas famílias. Nos dois primeiros meses do ano ouvíamos notícias de um
vírus muito perigoso contaminando os chineses, sobretudo da cidade de Wuhan,
província de Hubei. Como tínhamos pouco a ver com a China no sentido afetivo
não demos muita atenção. Até mesmo a nominação do vírus COVID 19 não foi objeto
de consideração maior em nosso meio. Esquecemos que formamos uma grande família
humana onde tudo está interligado, entre a humanidade e com o mundo criado (LS
6).
A doença chegou entre nós. Antes passou pela Europa e começamos a ficar preocupados. As notícias eram um tanto desencontradas, contudo preocupantes. Para muitos eram um alarmismo sem fundamento. Para outros era o começo do fim do mundo. E o vírus começou a ceifar vidas, abalar economias, interferir nas falsas seguranças construídas humanamente. Tínhamos a certeza de que o “timão” pelo qual guiávamos nossa vida não se abalaria. Ele se perdeu na tempestade do corona vírus. Como dizia o Papa Francisco em homilia no dia 27 de março: A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades.
Com a pandemia avançando o horizonte humano ficou turvo. Não nos sentíamos mais tão seguros nos nossos processos, por vezes orgulhosos e prepotentes, onde não havia lugar para o outro e até mesmo para Deus. Víamos e continuamos a ver muita gente ficando enferma ou morrendo devido à contaminação. O que fazer?
O trabalho árduo dos profissionais da saúde, também surpresos com a rapidez da disseminação da pandemia, foi fundamental no cuidado dos enfermos. Muitos perderam suas vidas tentando salvar outras vidas. Foi o martírio silencioso acontecido no ambiente tenso dos hospitais. Os pesquisadores tentavam compreender a genética do vírus com o intuído de encontrar um antídoto. Estavam pressionados pelo tempo, pois a celeridade da contaminação e das mortes exigia uma resposta da ciência.
A população foi chamada a colaborar ficando em casa e evitando aglomerações, que poderiam potencializar a contaminação. De repente alguns prazeres humanos como o consumo, o lazer e a diversão deveriam ficar em segundo plano. Mais do que nunca era necessário preservar as vidas. Aqui também se explicitou o lado perverso da natureza humana. Primeiro pela atitude de desdenhar a letalidade do vírus, também por não querer renunciar a algumas práticas cotidianos que só contribuíam para ampliar o leque da contaminação. Viu-se que a humanização embasada no respeito e alteridade são processos lentos e necessários em todos os tempos.
As comunidades religiosas também ficaram abaladas. A pertença religiosa supõe o encontro, a presença física, o ver e sentir a pessoa que professa o mesmo compromisso religioso. Os ritos religiosos compreendem a oração com o corpo e todos os sentidos. Isto ficou comprometido. Foi necessário relativizar estes princípios em nome da sanidade pessoal e comunitária. Demos um passo atrás para podermos avançar com saúde. Surgiu o desafio de rezar de outras formas. Surgiram diferentes formas de comunhão na fé muito significativas e outras um tanto questionáveis. Todavia era necessário manter os laços comunitários mesmo com distanciamento físico.
Chegamos ao final do ano. Talvez seja cedo para inventariarmos as perdas e também os aprendizados. Temos a certeza de que transformações aconteceram em nossas vidas pessoais e na vida em sociedade. Fomos provocados a recuperar o sentido profundo da solidariedade que, segundo o Papa Francisco não se limita a um gesto esporádico, mas a uma norma perene de conduta (cf. EG 188). Não podemos viver a solidariedade com hora marcada, em tempo e lugar determinados. Ela deve perpassar a nossa vida e nossas relações. Também fomos provocados na vida de fé e até nos perguntarmos o que Deus queria de nós nestes tempos. Surgiu uma certeza, o isolamento físico não poderia condicionar o isolamento humano. Fomos provocados a sair para encontrarmos o outro e exercitar a solidariedade e a misericórdia.
Vamos entrar em 2021 ainda impactados por tantas transformações, mas também esperançados pelo nascimento do menino Jesus. Realmente ele nasce esperança e traz libertação e ensina o caminho ao Pai e ao irmão. Como os pastores e os magos deixemos que nos guie até Ele.
Renovados na fé e na esperança entremos no próximo ano com coragem. As dificuldades ainda estão bem evidentes, mas a humanidade está dando algumas respostas que são um bom sinal. Façamos uma reflexão pessoal sobre os nossos propósitos para este novo ano. Não poderão ser propósitos egoístas. Urge que sejam propósitos de saída ao encontro do outro e de Deus. Estes propósitos serão as nossas ferramentas para o novo período que se inicia. Aquele que veio até nós e foi posto na manjedoura estará ao nosso lado nesta caminhada, como esteve junto aos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13ss) em um momento de incerteza e insegurança. Ele estará conosco em 2021.