Tempo Quaresmal

Postado por: Ari Antônio dos Reis

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Convertei-vos e crede no Evangelho! (Mc 1,15)

Na trajetória do ano litúrgico de 2021 iniciamos na quarta-feira de cinzas o tempo da Quaresma. Começamos o ciclo litúrgico com a caminhada do Advento, em preparação para o Natal do Senhor. O tempo do Advento foi sucedido pelo tempo do Natal, que vai do nascimento de Jesus, celebrado na noite do dia 24 de dezembro, até a festa do Batismo do Senhor, celebrada em meados de janeiro. O tempo do Natal foi sucedido pelo tempo comum, quando começamos a rezar, iluminados pelos evangelhos, a vida e missão de Jesus na Palestina. O tempo comum é retomado após a festa de Pentecostes.

O tempo quaresmal é compreendido como um tempo de graça.  Mais uma vez Deus se dirige a cada ser humano convidando-o a uma experiência transformadora pela acolhida do seu amor e dos seus desígnios.  O texto base da Campanha da Fraternidade deste ano descreve um período de conversão e autorreflexão. São 40 dias dedicados à oração, ao jejum, à partilha do pão e à conversão pela revisão de nossas práticas e posturas diante da vida, do Planeta e das pessoas (Cf. Texto Base CF 2021). Conversão, mudança de vida, penitência, contrição, misericórdia, são expressões que traduzem as experiências que podemos fazer como indivíduos e comunidades de fé. Nesta perspectiva a caminhada quaresmal apresenta algumas possibilidades.

A possibilidade de transformação existencial a partir da disponibilidade de relativizarmos algumas coisas da vivência cotidiana, que são passíveis de serem relativizadas porque não são tão importantes na condução da vida. Esta perspectiva existencial como processo de transformação convida a um olhar além dos critérios que são colocados como importantes em nossas vidas e que aceitamos passivamente. Veremos que talvez não seja bem assim. Tal atitude exigirá mentes e corações abertos para penetrarmos no propósito quaresmal a partir como desafio pessoal. Neste caso é um tempo de graça, o kairós, que exige a disponibilidade de acolhermos o propósito de Deus para as nossas vidas. É uma experiência pessoal e intransferível. Não pode ser terceirizada porque possibilita o encontro com o amor e a misericórdia de Deus que está nos esperando de braços abertos (cf. Lc 15,20).

A caminhada quaresmal tem uma perspectiva cristológica bem definida. Somos convidados a olhar para Jesus e o seu projeto de amor pela humanidade. O profeta que veio visitar o seu povo em nome de Deus (Lc 7,16) fez muito mais que uma visita. Ele se encarnou (Jo 1,1); se fez o servo da humanidade ao ponto de enfrentar a cruz pela nossa salvação. Não podemos fazer uma boa experiência quaresmal sem nos aprofundarmos no conhecimento de Jesus. Este conhecimento deve ser profundo e não superficial. Infelizmente temos acompanhado muitos arautos da fé cristã que falam muito pouco de Jesus. Se falam pouco é porque não o conhecem ou não dão o devido peso teológico ao Filho de Deus. Prestemos atenção nos Evangelhos proclamados nos cinco domingos quaresmais; façamos a experiência de rezar a via-sacra; meditemos diariamente a vida e missão do Nazareno. Lembremos. Não possível uma quaresma sem a proximidade com Jesus Cristo. Queremos nos encontrar com Jesus como os doze discípulos, que tiveram a coragem de deixar tudo para seguir o Mestre (Mc 1, 17ss; como a mulher pecadora, que saiu do encontro com o Mestre marcada pela misericórdia divina (Jo 8,11) porque encontrou um amor maior que o ódio e o preconceito; como os discípulos de Emaús, que tiveram o coração aquecido pela escuta da palavra e o partir o pão (Lc 24,32); como tantos outros que ao longo da história viveram um encontro transformador com o Filho de Deus.

A quaresma compreende uma espiritualidade própria deste tempo, já delineada nas orientações da liturgia e outras atividades sugeridas pela Igreja. Não é um tempo de tristeza, de amargura ou de angústia. No passado, de forma equivocada, foi passada esta compreensão. É tempo de recolhimento marcado pela oração, reflexão e outros exercícios voltados a nossa santificação. Compreendamos santificação não como fuga do mundo, da realidade desafiadora, mas como testemunho de uma fé lúcida e comprometida com os valores do Reino. Teremos a oportunidade de 40 dias de um retiro espiritual quaresmal voltado à nossa conversão. Por isso um tempo de graça.

A quaresma compreende a potencialização da fraternidade. Frater significa irmão. Fraternidade é viver a unidade própria de irmãos.  A fé nos diz que somos filhos do mesmo Pai, portanto irmãos. E irmãos cultivam o amor e não o ódio. Irmãos aprendem a dialogar apesar das opiniões diferentes. Irmãos aprendem a pedir perdão e a perdoar porque sabem que são imperfeitos e podem errar. Irmãos aprendem a partilhar, a estender a mão (Dt 15,11), porque, como afirma o canto onde está um irmão com fome, Jesus está com fome nele.  Fraternidade e solidariedade são muito próximas. A quaresma convida a está experiência única, profundamente cristã e transformadora. Não tenhamos medo exercitar a fraternidade. Nela encontramos nós mesmos e os outros, como afirmou o Papa Francisco: a Quaresma é uma descida humilde dentro de nós e rumo aos outros. É compreender que a salvação não é uma escalada para a glória, mas um abaixamento por amor. É fazer-nos humildes. Neste caminho, para não perder o rumo, coloquemo-nos diante da cruz de Jesus: é a cátedra silenciosa de Deus. Contemplemos cada dia as suas chagas (Mensagem da Quaresma 2021).

Vivamos este tempo de graça tendo os olhos no crucificado/ressuscitado, pois ele é a razão da nossa fé. Olhando a realidade, pois é ali que vamos testemunhar a fé, assumindo os desafios próprios dessa época. Com os olhos no caminho que vamos trilhar. É um caminho marcado por tantas contradições pessoais e da sociedade; um caminho de sombra e luzes. Contudo um caminho que aponta para o horizonte da salvação que Jesus legou para a humanidade.

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