Pe Elli Benincá: engajamento intelectual e pastoral

Postado por: Ari Antônio dos Reis

Compartilhe

A Universidade de Passo Fundo e a Itepa Faculdades estão promovendo alguns debates sobre o legado de Pe Elli Benincá (1936-2020), uma pessoa extremamente importante para as duas instituições de ensino e para a nossa região.  

É possível compreender a missão do Pe Elli através da sua aproximação com três referências da nossa história.  Antônio Gramsci, Paulo Freire e o Bom Pastor (Jo 10,10). Pe Elli conciliou o seu agir como presbítero e professor tendo estas referências do mundo da filosofia, pedagogia e teologia bíblica.

 Também provocava seus interlocutores a superarem os possíveis caminhos comuns e tranquilos na ação que desenvolviam. Era a provocação serena, respeitosa, todavia, não menos contundente e questionadora. Era motivada pelo sentido de fazer a pessoa protagonista da sua vida colocando-se também a serviço de uma causa. Um professor ou um agente de pastoral deveriam fazer a diferença nos lugares por onde passavam. Tal compromisso político, metodológico e epistemológico não era condicionado ao prestígio, fama ou ganhos financeiros, mas ao serviço prestado ao ser humano, o interlocutor do agente que se coloca a trabalho. Ao seu modo Pe Elli assumia essas posturas como espiritualidade e provocava seus discípulos fazerem o mesmo.

O pensamento de Antônio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano, reflete o papel do intelectual orgânico em uma sociedade caracterizada, na época, pelo capitalismo industrial, na qual a classe dos trabalhadores, mesmo produzindo as riquezas, não conseguia padrões dignos de vida.   Segundo Antônio Gramsci, o intelectual orgânico era a pessoa ligada por laços de compromisso e fidelidade à classe operária, marcada pela pobreza. Fazia da sua condição um serviço à transformação da vida daquelas pessoas.  Seu papel reflexivo tinha como fundamento esta conduta e almejava a libertação dos laços de opressão. Pe Elli colocou seu conhecimento e sabedoria a serviço da transformação dos contextos difíceis dos pobres presentes nos bancos escolares ou nas comunidades eclesiais. Eram seus interlocutores privilegiados na produção teórica e na construção de metodologias de ação para orientar o trabalho de educadores e agentes de pastoral. O trabalho do Pe Elli tinha um lugar social. Era pensado a partir desse lugar também provocando outros a terem a mesma referência.  O intelectual engajado é uma pessoa com capacidade de diálogo. Diálogo implica em escutar e falar.  Era a ferramenta operada pelo Pe Elli a serviço de uma causa que era causa de todos os necessitados. Através do diálogo suas propostas eram explicitadas, enriquecidas pela escuta e aprofundadas.

A segunda referência é Paulo Freire (1921-1997). Como parte do fenômeno de retrocesso da nossa sociedade, o referido autor tem sido caluniado por pessoas que não leram uma só linha dos seus escritos, mas estão convencidas que ele representa um mal para o Brasil.  A proposta educacional de Paulo Freire ajudou na educação emancipadora de muitas pessoas, começando pelo Nordeste e se espalhando pelo mundo. A atividade de Freire foi tão significativa que o Regime Militar não hesitou em exilá-lo. O compromisso de alfabetizar o pensamento foi considerado perigoso.  Pe Elli enxergava a reflexão de Paulo Freire como um bem necessário aos pobres, porque seu método de ensino aliava a técnica de alfabetizar com a política de ensinar a pensar.    Nas Faculdades de Educação ou Filosofia e no Curso de Teologia apresentava Paulo Freire a seus alunos e um caminho que assumia a prática educacional e pastoral como instrumentos formativos e também de libertação. O conhecimento das letras traz consigo a necessidade de outros conhecimentos. Portanto, o ato de aprender ler e escrever compreende também ler a vida de forma crítica compreendendo o lugar do ser humano na sociedade.  

Por fim lembramos a referência do Bom Pastor (Ez 32, Jo 10,10). Quem estudou Teologia e foi aluno do Pe Elli conhece este texto, tantas vezes refletido em sala de aula. Jesus, ao se colocar na imagem do Bom Pastor se reporta a uma profissão comum na época de Jesus. Os pastores tinham a tarefa do cuidado do rebanho a eles confiados. Merecem um carinho especial as ovelhas, doentes, debilitadas ou extraviadas. Jesus se apresentou como o Bom Pastor (Jo 10,10) revelando o seu projeto missionário marcado pela atenção e cuidado para com as pessoas a ele confiadas pelo Pai.   No agir pastoral, a imagem do pastoreio diz respeito ao cuidado da Igreja com o Povo de Deus. O modelo desse agir é Jesus, o Bom Pastor. Pe Elli, como professor da Faculdade de Teologia, preocupou-se em ajudar a criar condições para que os estudantes de teologia exercitassem a pastoral de forma eficaz e como contributo a reflexão teológica. Primeiramente buscou estas condições no ensino da Teologia, na vida acadêmica, através da disciplina de Metodologia e Prática Pastoral orientada pela Metodologia Histórico Evangelizadora. Contudo, segundo Pe Elli não bastava estudar e entender a sua lógica de sustentação. É preciso que se transforme em opção e mística, ou melhor dito, em espiritualidade.

Assumindo estas condições Pe Elli colocou a sua capacidade intelectual e articuladora a serviço dos empobrecidos. Os cargos assumidos eram na perspectiva de servir e contribuir para a superação das situações difíceis, formando pessoas para o agir educativo e pastoral. É importante revisitarmos este legado. Ele carrega um humanismo emancipador profundo.

Leia Também Os Traumas de Final de Ano Vigiai e esperai! Como vencer Professora Emérita 2023 Passo Fundo