Assinalamos nessa
semana uma data significativa para o Brasil, as comemorações da independência
de Portugal. Normalmente deveria ser uma data de união dos brasileiros em torno
de algo comum. Estamos em um mesmo território e formamos uma nação. Entretanto,
o ambiente belicista que se estabeleceu interferiu de forma significativa na
data ao ponto de muitos manifestarem medo de sair às ruas.
Há tempos vivemos uma realidade onde o pensar diferente é considerado erro, o agir diferente é visto como anomalia e o ser diferente passível de condenação. Estamos com dificuldade em dialogar. O caminho da palavra como entendimento e superação de conflitos ficou seriamente abalado. A palavra é um meio privilegiado de comunicação. Sem a palavra pronunciada ou ouvida o entendimento humano fica abalado. Lembremos Jesus, que ao encontrar-se com um homem surdo e que falava com dificuldade o curou e com isso devolveu a ele a capacidade de interagir (cf. Mc 7,33-35).
Mas, as condições físicas para dialogar exigem a disponibilidade em dialogar, algo que está em falta nesses dias. O filósofo alemão Jürgem Habermas (1929) ao tratar da teoria da ação comunicativa sugere a comunicação verbal como caminho de entendimento e interação humana, explicitação da racionalidade de homens e mulheres. O consenso se dá não pela coerção, mas pelo melhor argumento. Ressalva que assim como posso convencer o outro da minha pretensão de verdade posso também ser convencido. Antes é necessário dialogar, falar e escutar, escutar e falar. Sem diálogo não existe comunicação e consequentemente não existirá entendimento ou consenso. Convida a cada pessoa colocar-se no lugar do outro. É a alteridade necessária nos relacionamentos humanos, atitude de colocar-se no lugar do outro. Implica em compreender que o outro é diferente e esta diferença distingue, mas não afasta. O filósofo Emmanuel Levinas (1905-1995) trabalha a ideia do encontro face-a-face, que acentua, por um lado a responsabilidade e por outro a transcendentalidade do ser humano. O diálogo é um processo de troca de responsabilidades e que sugere o ser-mais da pessoa humana.
É necessário recuperarmos a força do diálogo diante de um contexto de grande agressividade nomeada pelo Papa Francisco como “agressividade despudorada” o que favorece o enfervecimento de formas insólitas de agressividade, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais que chegam a destroçar a figura do outro, em um desregramento tal que, se existisse no contato pessoal, acabaríamos por nos destruir mutuamente (cf. FT 44). Pronuncia-se sobre todos os temas e muitas vezes sem um conhecimento profundo. E esta pronúncia vai estabelecendo conflitos e cisões no meio vivido. Tem razão o apóstolo Paulo que ao recomendar todo cuidado no uso das palavras. Disse: “que da boca de vocês não saia nenhuma palavra que prejudique, mas palavras boas para a edificação no momento oportuno, a fim de que façam bem para aqueles que as ouvem. E não entristeçam o Espírito Santo de Deus com o qual vocês estão marcados para o dia da redenção. Afastem de vocês toda a amargura, ira, cólera, gritaria, difamação e todo o tipo de maldade”(Ef 4, 29-32). O diálogo, caminho da palavra, é importante para aproximar e superar os conflitos, jamais para afastar pessoas, oprimir ou destruir.
São significativas as reflexões do Papa Francisco sobre o diálogo. Na Exortação Amores Laetitia afirma que o diálogo é uma modalidade privilegiada e indispensável para viver, exprimir e maturar o amor na vida em suas diferentes formas de relação (cf.AL 136). O Papa ainda descreve no mesmo documento a importância e alcance do diálogo nos diferentes processos da relacionalidade humana, muitas vezes, marcados por conflitos. Disse: desenvolver o hábito de dar real importância ao outro. Trata-se de dar valor à sua pessoa, reconhecer que tem direito de existir, pensar de maneira autônoma e ser feliz. É preciso nunca subestimar aquilo que diz ou reivindica, ainda que seja necessário exprimir o meu ponto de vista. A tudo isto subjaz a convicção de que todos têm algo para dar, pois têm outra experiência da vida, olham doutro ponto de vista, desenvolveram outras preocupações e possuem outras capacidades e intuições. É possível reconhecer a verdade do outro, a importância das suas preocupações mais profundas e a motivação de fundo do que diz, inclusive das palavras agressivas. Para isso, é preciso colocar-se no seu lugar e interpretar a profundidade do seu coração, individuar o que o apaixona, e tomar essa paixão como ponto de partida para aprofundar o diálogo (Al 138).
Na Carta Encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e amizade social, retoma a necessidade do diálogo na vida social. Afirma: “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isto se resume no verbo dialogar. Para nos encontrar e ajudar mutuamente, precisamos de dialogar. Não é necessário dizer para que serve o diálogo; é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades. O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as desavenças e os conflitos; e, contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor” (FT 198).
Dialogar não significa flertar com o relativismo ou então querer opinar sobre tudo. Não é também impor uma ideia desconhecendo a opinião outro. Existirá o verdadeiro diálogo se o ser humano for capaz de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando a legitimidade das suas convicções e interesses (cf. FT 203).
O diálogo é um instrumento valioso para a construção do bem comum. Em tempos de acirramentos retomemos este princípio humano. Deus nos dá capacidade de ouvir e falar. Nos deu também a inteligência de equilibrar estes dons. Eles permitem que nos aproximemos uns dos outros compreendendo as diferenças como riquezas. O diálogo ajuda a construir pontes e não muros.