Rabiscos Semanais: Amar ao ponto de transpirar sangue!

 14/09/2021 - 09:27hrs
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Karl Landsteiner, cientista austríaco, ganhou o Prêmio Nobel, em 1930, devido suas pesquisas e trabalhos relacionados aos grupos e tipos sanguíneos no início do século XX (1900-1901). A ciência, pelo sistema ABO, apresenta quatro classificações para os tipos sanguíneos: A, B, AB e O. Pelo fator Rh determina-se se a pessoa é portadora de sangue com Rh positivo ou negativo. Dentre as possíveis combinações constituem-se os oito tipos sanguíneos mais conhecidos: A+, A-, B+, B-, AB+, AB-, O+ e O-.

Há, ademais, pessoas com tipos sanguíneos raros devido ao fator Rh. O sangue Rh nulo, dentre todas as possíveis combinações, é o mais raro; seus glóbulos vermelhos não têm nenhum tipo de antígeno Rh. Há, neste quesito, importância ímpar à vida, saber qual tipo sanguíneo cada indivíduo é portador. Em situações especiais, existindo necessidade de transfusão, por exemplo, o fator Rh determina qual tipo sanguíneo cada pessoa poderá doar ou receber. Na fraternidade universal humana, a saber, doar sangue constitui-se como gesto de amor à vida. Por quê? Não há porquês!

 Rubem Alves escrevera: "meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra." Carlos Drummond de Andrade dirá: "eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga”.

A tradição cristã, pela sagrada escritura, ensina que o Projeto do Reino de Deus apresentado por Jesus Cristo às pessoas, aos discípulos(as), desde outrora ao tempo presente, resume-se pela vivência do amor. Amar a Deus e as pessoas. “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Da mesma forma que o Pai me amou, eu também amei a vocês: permaneçam no meu amor. Amem-se uns aos outros, assim como eu amei a vocês. Ninguém tem amor maior do que alguém que dá a vida pelos amigos” (Jo 15, 4.9.12-13).

A radicalidade da experiência amorosa testemunhada por Jesus Cristo, conta-nos a sagrada escritura, o fez transpirar sangue: “seu suor tornou-se como gotas de sangue, que caíam por terra” (Lc 22,44). A medicina explica através da nomenclatura: Hemiedros ou Suar Sangue. A Hematidrosis caracteriza-se como um fenômeno raríssimo e incomum à condição humana, pois, consiste na excreção do sangue através dos poros das glândulas sudoríparas, responsáveis pela transpiração, devido ao corpo estar tomado por demasiado stress, pressão e tensão. A Hematidrose, sangue e suor mesclados, afeta o rosto humano, especialmente as orelhas, o nariz e os olhos, associando-se a outro fenômeno: as lágrimas de sangue. Que amor far-nos-ia transpirar o fator Rh?   

Bell Hooks, propõe-nos pensar o amor desvinculando-o das ilusões românticas e colocando-o na centralidade da vida, enquanto prática transformadora que liberta para o viver. Bell reflete o amor para além do sentimento e passa a compreendê-lo como “ética de vida”. Hooks convida à pensar o amor como uma potência, um poder transformador, capaz de gestar possibilidades para romper dores e violências, trilhando caminhos rumo à “sociedade amorosa”. Segundo Bell Hooks, a primeira motivação para repensar o amor parte da constatação de que na vida social há “cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos”. Hooks acredita que pessoas capazes de agir pelo viés do amor têm pleno potencial para transformar as mais diversas esferas de convívio societário, seja a política, a religião, a cultura, o ambiente de trabalho, familiar ou de foro íntimo.

Revisitando Rubem Alves, encontramos: "nada mais falso do que o ditado popular que afirma que ‘amor com amor se paga’. O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo". Drummond diz: "Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários... Amor não se troca... Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..." (Carlos Drummond de Andrade). Amar transpõe-nos o existir e liberta-nos das prisões paralisantes do medo, mesmo quando faz-se necessário enfrentar a realidade da existência que nos atemoriza ao ponto de transpirarmos sangue. Há que se resgatar, sempre e a todo tempo, o amor primeiro, pois, “a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado” (Mia Couto).

Parafraseando o Papa Francisco, concluo: “Será que nós, cristãos, perdemos um pouco o ardor do anúncio e a profecia do testemunho? É a verdade do Evangelho que nos faz livres, ou então sentimo-nos livres quando alcançamos áreas de conforto que nos permitem gerir a vida e avançar tranquilos sem particulares contratempos? Contentando-nos com pão e segurança, será que não perdemos o ímpeto na busca da unidade que Jesus implorou, uma unidade que certamente requer a liberdade madura de opções fortes, renúncias e sacrifícios, mas é a premissa para que o mundo creia? Não nos preocupemos apenas com o que possa ser útil às nossas próprias comunidades; a liberdade do irmão e da irmã é também a nossa liberdade, porque, sem a dele e a dela, não será plena a nossa liberdade".

Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 14 09 2021.

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