Estamos no mês da
Bíblia. A dedicação cinquentenária do mês de setembro à Sagrada Escritura tem,
entre outras motivações, ajudar os cristãos a aprofundarem a sua relação de fé
com o Testamento Sagrado. Quer colocar a Palavra de Deus nas mãos e no coração
do povo brasileiro (cf. Revista Vida Pastoral 1) e com isso, construir um
itinerário de fé sustentado na riqueza que dali emerge. O que Paulo escreveu a
Timóteo diz respeito também a cada um de nós: “desde criança você conhece as
Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé
em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o
homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm
3,15-17).
Compreendamos que na Sagrada Escritura, Deus mesmo está falando com o seu povo. Nessa fala comunica a Si mesmo, pleno de amor e misericórdia. Este diálogo se tornou pleno na pessoa de Jesus, o verbo encarnado de Deus (cf. Jo 1,1), presente na história humana em vista da sua salvação. A carta aos Hebreus revela a intenção do Pai no diálogo com a humanidade: “muitas vezes e de muitos modos, Deus falou no passado aos nossos pais, através dos profetas. Nesta etapa final, ele nos falou por meio do seu Filho. Deus fez dele o herdeiro de tudo, e por meio dele também criou o universo” (Hb 1,1-2). Nessa palavra está um testamento de amor, um compromisso inequívoco e um projeto, o projeto salvador.
A Igreja é sabia ao embasar a sua missão na Palavra divina. Ela é sua identidade, porque sustenta a tradição, o diálogo com o passado e aponta os caminhos futuros na missão herdada de Jesus de Nazaré. Então a Palavra de Deus deve ser proclamada, escutada, lida, acolhida e vivida como Palavra de Deus, no sulco da Tradição Apostólica de que é inseparável (cf. VD 7).
A proximidade com o Testamento divino acontece pelas diferentes responsabilidades e compromissos.
No âmbito pessoal vê-se o desafio permanente da proximidade de cada ser cristão com o Texto divino. Por muito tempo os católicos viveram um distanciamento da Bíblia. Ainda hoje vive-se as consequências desse distanciamento. O Movimento Bíblico que antecedeu Concílio Vaticano II, justificado e ampliado nesse mesmo Concílio, permitiu um passo significativo na superação desse distanciamento. A Constituição Dogmática Dei Verbum reitera a necessidade de que as Sagradas Escrituras estejam amplamente abertas aos fiéis e por várias línguas, versões adequadas e corretas, principalmente dos textos originais dos livros sagrados (cf. DV 22), para nutrir os cristãos com os ensinamentos divinos (cf. DV 23). A iniciativa eclesial encontra eco na vontade humana, ou seja, de cada cristão se esmerar no conhecimento da Palavra. Para tanto existem vários caminhos desde iniciativas individuais de estudo como a participação dos círculos Bíblicos; encontros de leitura orante; formações especificas; cursos de teologia, entre outros. A própria participação na liturgia da missa diária e dominical é um caminho fértil de formação Bíblica. Cada cristão é convidado a renovar a curiosidade em saber mais a proposta de Deus. Tem-se como exemplo o etíope que insistiu com Felipe para melhor compreender a Palavra de Deus (cf. At 8, 31-36). A vontade humana necessita da reta orientação. Por isso a Dei Verbum sugere: “compete aos sagrados pastores, depositários da doutrina apostólica, ensinar oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso reto dos livros divinos, de modo particular do Novo Testamento, e sobretudo dos Evangelhos. E isto por meio de traduções dos textos sagrados, que devem ser acompanhadas das explicações necessárias e verdadeiramente suficientes, para que os filhos da Igreja se familiarizem dum modo seguro e. útil com a Sagrada Escritura, e se penetrem do seu espírito (DV 25).
No âmbito da vida comunitária esta proximidade também se faz urgente. E está perfeitamente conectada com o âmbito pessoal. Ambas se complementam. As primeiras comunidades cristãs se reuniam ao redor da Palavra (At 2,37ss). Tantas comunidades no Brasil sustentam-se na fé e no discipulado a partir da oração mediada pela Palavra de Deus, porque ali o cristão encontra no modelo de vida de Jesus e dos apóstolos sua inspiração para ser comunidade (cf. CNBB, 100, n. 62). Os compromissos pessoais também perpassam a vida comunitária. A Palavra de Deus há de ser o motor da experiência comunitária nas suas diferentes dimensões. A comunidade é a Casa da Palavra. Então ela torna-se a contínua animação da vida pastoral de todos os membros da comunidade (Cf. CNBB 100, n. 271). A comunidade assume também o caráter orientativo para as pessoas, em vista da boa aproximação da Palavra de Deus e ajuda no discernimento quanto ao uso porque é possível corrigir os equívocos tendo como critério a proposta de Jesus Cristo. O contato intensivo, vivencial e orante com a Palavra de Deus confere à reunião da comunidade um caráter de formação discipular (CNBB 109 n. 92). Ainda na perspectiva comunitária e eclesial, vê-se o desafio, talvez mais complexo, ou seja, ter a Palavra de Deus como animadora da missão evangelizadora da Igreja. Nesse sentido, aliada à fé dos que se comprometem com a missão eclesial, está a Bíblia que orienta e sustenta esta missão do anúncio de Jesus Cristo.
Sugere-se também um terceiro âmbito, o estudo teológico. A grande referência da Teologia é a Bíblia, a Palavra de Deus dirigida a toda a humanidade como prova de amor. A Teologia, ciência que reflete a revelação divina, e faz dessa, a partir da fé, o seu itinerário reflexivo. Assim, a teologia recorrerá continuamente e fielmente para dar conta desse compromisso. É uma questão de vigor e fidelidade. Segundo a Exortação Pós Sinodal Verbum Domini o estudo dos livros sagrados deve ser como que a alma da teologia (cf. VB 31). Está em plena sintonia com a Constituição Dogmática Dei Verbum que afirma: “a sagrada Teologia apoia-se, como em seu fundamento perene, na palavra de Deus escrita e na sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo. As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são verdadeiramente a palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve ser como que a alma da sagrada teologia. Também o ministério da palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese, e toda a espécie de instrução cristã, na qual a homilia litúrgica deve ter um lugar principal, com proveito se alimenta e santamente se revigora com a palavra da Escritura” (DV 24). Busquemos fundamentar a nossa caminhada de fé na Palavra Sagrada. Ela é inspirada por Deus e nos fará fieis discípulos do seu Filho.