Quem roubou nossos sonhos? Sonhar é característica salutar ao
desenvolvimento integral humano. A capacidade criativa de cada pessoa a conduz
na tessitura da vida pessoal, comunitária e social, tecendo redes de relação,
afeto e ação. “Todo ser humano, ainda antes de nascer, recebeu da parte de seus
avós como um presente a bênção de um sonho cheio de amor e esperança, de uma
vida melhor para ele. E se não o teve de nenhum de seus avós, certamente algum
bisavô, sim, o sonhou e se alegrou por ele, contemplando seus filhos no berço
e, em seguida, os seus netos. O sonho primeiro, o sonho criador de nosso Pai,
precede e acompanha a vida de todos os seus filhos” (ChV, n.194).
Sonhar implica fazer memória e projetar metas, com objetivos possíveis de realização, na alteridade sinodal gestora de sustentabilidade e justiça social pelo construir e reconstruir, zelando pelo cuidado com o bem comum e, observando, a dimensão do afeto. O caminho desvela-se, processualmente, no pensar, sentir e agir capaz de recompor a sociedade através do sonhar coletivo, edificado pelo encontro geracional nutrido da ousadia protagonista que arrisca, sem temer a possibilidade de cometer erros e tropeços.
Há quem tema sonhar ações concretas, é verdade. Todavia, às pessoas temerosas pode-se dizer que existe real meio de vencer tal ansiedade que, por vezes, parece paralisante. Aos jovens e às jovens, que hoje, “vivem sua própria mistura de ambições heroicas e de inseguranças, podemos lembrá-los que uma vida sem amor é uma vida infecunda” (ChV, n.197). Sonhar ainda é possível e, a saber, requer cuidar para mantermos em nós o engravidamento do ser fecundos. Germinar vida no chão da realidade, na dialética do existir social e eclesial que vislumbra a civilização do amor a partir do cuidado do outro(a) e com a Casa Comum, promovendo ações transformadoras, regadas de afeto, para a continuidade integral do desenvolvimento e existir humano.
Francisco, por ocasião do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado propôs à comunidade humana refletir, rezar e agir “Rumo a um ‘nós’ cada vez maior”. Diz o Sumo Pontífice: "Somos chamados a sonhar juntos, sem medo de sonhar, a sonhar juntos como uma única humanidade, como companheiros na mesma viagem, como filhos e filhas desta mesma terra que é a nossa Casa Comum, todos irmãs e irmãos". Cultivar esperanças regando sonhos comunitários reverbera à realidade contemporânea a caminhada conjunta de diversas pessoas e grupos que, desde outrora, sonham “um outro mundo possível” capaz de “re-almar” a coexistência planetária.
Revisitando o testemunho de duas jovens migrantes – Antonieli Rodriguez Habana e Ángeles Carolina Cabello Carbajal – partícipes na campanha de comunicação do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, concluo. “Todos nós podemos ter um futuro juntos como irmãos e irmãs porque somos todos irmãos e irmãs. Acredito que o caminho que todos percorremos é o mesmo, porque Deus tem um propósito para cada um de nós. Vejo a possibilidade de todos nós vivermos em uma casa comum, como irmãos, compartilhando serenidade e felicidade, convivendo, todos juntos” (Ángeles Carolina). “Temos sempre um pouco de medo de enfrentar o desconhecido, porque é algo que nunca vimos antes e temos um pouco de temor de como o faremos. Mas agora eu realmente acredito que não devemos ter medo do que não conhecemos. Eu digo que não devemos ter medo de sonhar” (Antonieli).
A beleza testemunhal das partilhas torna-se sinal de fecunda esperança às pessoas de boa vontade, pois, são palavras abraçadas de experiência viva, como bálsamo de ressurreição em tempos de via crucis. Sim, ainda é possível sonhar e cultivar-nos como sementes férteis com pleno potencial para “afagar a terra. Conhecer os desejos da terra, cio da terra a propícia estação e fecundar o chão” (Milton Nascimento/Chico Buarque) à digna e plena vida sob as mãos cuidadosas da fraternidade sócio eclesial, à luz do Evangelho.
Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 28 09 2021.