Desde 1971 a Igreja Católica no Brasil
dedica o mês de setembro para o estudo, reflexão, e oração de modo mais profundo
e sistematizado da Sagrada Escritura. Isso em decorrência da comemoração da memória
de São Jerônimo, um sacerdote do século IV, que traduziu a Bíblia do grego e do
hebraico para o latim. Sua memória litúrgica é celebrada pela Igreja no dia 30
de setembro.
O tema sugerido para 2021 tem como referência a Carta de São Paulo aos Gálatas e o lema é “Pois todos vós sois UM só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d), uma pequena citação da Carta, que faz parte do Hino Batismal (Gl 3,26-28). O Apóstolo mostra que a partir do Batismo e do revestimento em Cristo todos são filhos de Deus, nos quais todas as divisões são superadas: Não há mais judeus ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher (cf. Gl 3,28). A referida Carta mostra que em Cristo acabaram-se todas as diferenças e distinções e que a unidade somente é possível n’Ele. Paulo preocupou-se em escrever essa reflexão por motivo de seu descontentamento com a comunidade que aderiu a uma pregação contrária do que ele sempre defendeu (cf. Gl 1,6-9). Para Paulo a unidade em torno de Jesus é o grande critério de orientação para a vida em comunidade daqueles que se fizeram cristãos.
Destaca-se no já citado “Hino Batismal”, que todos são “filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”, sendo um n’Ele e com Ele. Deste modo, se todos para os quais a carta paulina foi dirigida (judeu ou gentio, escravo ou livre, homem ou mulher), são chamados de filhos de Deus e que entre eles todas as divisões sejam superadas, se enaltece que tal unidade ocorre somente por conta daquela de Cristo Senhor.
Aquele que aderiu a fé e foi assinalado pelo Batismo é capaz de superar todas as desigualdades e de dar o grande salto rumo à unidade, não havendo, para o cristão, diferença alguma. Todos possuem os mesmos direitos e deveres segundo os critérios de Cristo e do Evangelho, em busca da igualdade fraterna e da liberdade.
Vivemos, inegavelmente, em uma sociedade polarizada, na qual uns estão em conflito permanente com outros, faltando o diálogo e de igual modo o respeito. Aquele que pensa de forma distinta do outro é visto, lamentavelmente, como inimigo. Este triste fenômeno está presente nos campos políticos, econômicos, sociais e até mesmo religiosos. Preocupa-nos sobretudo as polarizações a partir de uma leitura equivocada das experiências de fé.
Se faz necessário voltar ao Evangelho e tomar como exemplo o modo como Jesus se relacionava com as pessoas: “Indo adiante, viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos...” (cf. Mt 9,9ss). Observa-se que antes de Jesus ver um cobrador de impostos, um pecador, um publicano, Ele olha atentamente e ali vê um “homem”, um ser humano. O mesmo ocorre com a mulher surpreendida em adultério (Jo 8,11), com o jovem rico (Mt 19,16ss) e com tantos outros com quem se encontrou. Ele veio ao mundo explicitar a misericórdia do Pai (Mt 9,13).
A novidade do ensino de Jesus não estava no seguimento cego a uma lei, mas à capacidade de reinterpretá-la à luz do grande mandamento do amor que estava sendo sufocado pela rigidez legalista, que não deixa espaço para o amor. Esta torna a vida um cumprimento cego de códigos e normas que não passam pelo coração, mas tão somente por uma razão rasteira, buscando justificar suas convicções pessoais e ideológicas, sustentando preconceitos e afirmando superioridade sobre os demais.
É importante ressaltar a sensibilidade do olhar do Mestre Jesus diante das misérias humanas. Ele motiva a ter um olhar apurado para a pessoa. Não enxergamos nela apenas aquilo que desagrada. O primeiro movimento deve ser de acolhida e não de julgamento. O outro não pode ser um empecilho, mas oportunidade de crescimento.
O diferente não pode nos dividir, nem pode ser causa de assombro. Deve ser possibilidade de abertura para compreendermos a ação de Deus na história. Neste sentido o Papa Francisco dirá que “A diversidade deve ser sempre conciliada com a ajuda do Espírito Santo; só ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade” (EG 131). Quem suscita a diversidade no mundo é o Espírito Santo e é Ele quem faz esta ponte que transpõe os conflitos, as diferenças, e, por conseguinte, toda e qualquer divisão.
O desafio é ver o diferente como dom, como graça, como possibilidade de crescimento e conversão. As polarizações que hoje vivemos reduzem as pessoas a “marionetes” que repetem convicções vazias de sentido e cheias de ódio. É necessário dar um passo a mais, o que implica em abrir-nos à graça divina, assumindo o princípio de sermos pontes de unidade, como sugeria a Campanha da Fraternidade deste ano (cf. Ef 2,14). Retomando São Paulo, é possível compreender que é pela fé que nós nos fazemos irmãos uns dos outros e pelo único Batismo é que somos incorporados como filhos e filhas de Deus. Se a minha fé em Jesus Cristo não me leva a amar, mas a odiar ao próximo por aquilo que ele é ou representa, é necessária uma sincera conversão do coração para que entendamos que o nome e o rosto de Deus é Misericórdia, e de que seu filho, Jesus, foi morto de forma cruenta por amor de todos e por amar a todos, como afirma São Paulo: “E reconciliar por Ele e para Ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1,20).
O grande desígnio de Deus é reunir todas as coisas em Cristo, concedendo a toda a humanidade e a toda a criação o dom da salvação que é a Vida nova no Espírito do Cristo Jesus. Que sejamos nós, cristãs e cristãos comprometidos com a Unidade, e que a fé seja o princípio que nos mova a amar e a servir a ponto de reconhecermos, como também Paulo reconheceu, de que todos formam uma unidade em Cristo Jesus.
Pe. Ari Antonio dos Reis, seminarista Claudir Antonio Catto e seminarista Macsuel Junior Battisti