As casas prisionais deste país são um verdadeiro depósito de seres humanos e a sociedade brasileira parece não se importar com esta situação desumana. Esperar o que então?
Sempre vejo alarmantes e preconceituosas reportagens dirigidas contra os apenados que tentavam fugir das penitenciárias gaúchas e brasileiras. Com o advento das rebeliões nas penitenciárias, aumentaram as discussões distorcidas sobre as motivações daqueles que resolvem fugir ou se rebelar.
Um entendimento mais amplo da situação prisional brasileira implica reconhecer que o Estado se ausentou de sua função de “guardião da dignidade humana”.
As casas prisionais são descuidadas, abarrotadas de gente, sem condições de oferecer trabalho (mesmo para apenados que desejariam fazê-lo voluntariamente), a segurança e as regras de convivência estão nas mãos dos próprios presos, não há mais possibilidade de controlar as drogas e a venda das mesmas nos presídios.
Vejam: estamos falando de uma situação extremamente delicada e complexa, conhecida e debatida por todos nós.
O preconceito e discriminação para com os presos que fogem ou se rebelam são impressionantes e descabidos! A fuga e rebelião, neste contexto, é o que poderíamos esperar quando tratamos de seres humanos, pessoas maltratadas e mal acomodadas, sem culpa por isso.
Fugir é destino e meta comum de seres humanos quando as condições de vida e dignidade atentam contra a própria existência. Aliás, o que mais temos é gente que foge da violência, da opressão, do descaso, do abandono, do desamor.
Fico imaginando se a fuga não é condição substantiva para preservarmos nossa condição de humanidade. As diferentes prisões brasileiras não fazem bem a ninguém, pois não foram concebidas para a ressocialização e humanização.
As casas prisionais deste país são um verdadeiro depósito de humanos e a sociedade brasileira parece não se importar com esta situação desumana.
Segurança Pública e presidiária: responsabilidade do Estado
Os presos tem responsabilidade por seus crimes, mas não são responsáveis pelos crimes que o Estado e a sociedade cometem contra eles. A maioria de nós, no entanto, tende a buscar respostas na simplificação. A maioria prefere não abordar as raízes dos problemas.
Socióloga e especialista avalia a complexidade da realidade carcerária no Brasil envolvendo temas como demora nas decisões do judiciário, muitos presos provisórios, legislação, dentre outros. Avalia, sobretudo, que o sistema penitenciário brasileiro funciona como um funil: muitos presos entram e poucos presos saem.
É sempre mais fácil “culpar as vítimas”, ao invés de perguntar as razões pelo sofrimento e desespero pelos quais estas agem.
Ao invés de cobrarmos que o Estado, o guardião dos presos, dê condições de vida, proteção e ressocialização dos presos, preferimos condenar aqueles que, através da fuga e rebelião, exercem seus direitos sobreviventes.
Ao invés de cobrar medidas que dificultem as fugas e mantenham maior vigilância sobre as ações dos presos, preferimos elegê-los como nossos mais nobres algozes.
A simplificação dos pensamentos faz com que esqueçamos que eles (os presos) fazem parte de uma sociedade violenta, autoritária, injusta, corrupta e perversa.
Preferimos nos apartar, como “pessoas de bem”, imaginando que maldade é exclusividade deles, os presos e “marginais”, como os chamamos. Esta ingênua ignorância nos leva, sem querer, à mesma condição de vítimas: vítimas de nossos próprios pensamentos e incompreensões. Vítimas dos próprios presos que condenamos, infinitamente. Vítimas do mundo e submundo do roubo, da ganância, do poder e do medo que permitimos reinem em todas as nossas prisões. Vítimas dos presos que condenamos, infinitamente.
Em que mundo e ser humano acreditamos?
O maior trabalho que podemos empenhar pelo mundo é pela humanização de todos. Faz parte lutar por condições que não exijam, de ninguém, a fuga e a rebeldia para não sucumbir à própria humanidade.
Todos precisam de oportunidades para se humanizar, porque o castigo injusto e sem sentido só alimenta a revolta e a própria desumanização.
Antes que acusem que defendo apenados ou presos na condição de anjos, digo-lhes: são gente igual a gente, que perdeu o maior bem da humanidade: a liberdade. Se já perderam a liberdade (esperamos que todos por razões justas), façamos de tudo para que não percam também a sua humanidade. Esta tarefa é de toda a sociedade, mas quem deve executá-la é o Estado.
A liberdade deve ser o nosso maior horizonte! Pensar a liberdade é um trabalho corajoso, necessário e permanente. Fora da liberdade, o mundo e a humanidade serão a própria barbárie.
Não nos faltam referências para a defesa da liberdade como condição indispensável para a realização humana: Sócrates, Jesus Cristo, Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela. Por isso mesmo atuo na educação, pois esta é o verdadeiro caminho certo para a promoção da liberdade!
Autor: Nei Alberto Pies