Estamos começando um novo ano, certamente com muitos desafios para os diferentes setores da sociedade. Vejamos alguns:
Inicia-se com o relato de um diálogo presenciado em uma casa comercial. No diálogo a atendente perguntou sobre a profissão do cliente, um senhor já de idade avançada. Disse que trabalhava por conta, vendendo rapaduras. Ela também perguntou sobre a escolaridade. Ele respondeu que não havia frequentado escola e não conhecia as letras. Completou que tinha frequentado a escola da vida. Um artigo publicado no Jornal Zero Hora (04-01-22) afirma que: 30% da população, 70 milhões de brasileiros, sofre com o analfabetismo funcional, sabem ler e escrever, mas não compreendem o que leem.
Um fato noticiado pela imprensa no dia 26 de dezembro de 2021, últimos dias do ano chamou atenção, não pela novidade, mas pela persistência desse tipo de crime. Dez trabalhadores que atuavam em uma lavoura de hortaliças no Gama (DF) foram resgatados pela PMDF (Polícia Militar do Distrito Federal) em condições análogas à escravidão. A operação ocorreu na tarde deste sábado (25 de dezembro), na DF-180, Rancho Paixão. De acordo com a corporação, os trabalhadores, oriundos do estado do Piauí, foram resgatados após denúncias. Eles estavam em situação degradante, sem condições de permanecer no local (cf. portal notícias r7.com.brasília).
A tipificação do fato é própria de situação de trabalho análogo à escravidão segundo legislação consolidada. Os trabalhadores contaram que vieram para trabalhar, porém estavam sem alimentação, sem água potável, sem pagamento, sem material adequado para fazer a higienização pessoal e sem condições de sair do local, segundo informações da corporação. Ainda, segundo os lavradores, foi fornecido a eles apenas arroz com farinha para a refeição de Natal. Eles também denunciaram que trabalhavam mais horas que o permitido, tinham que pagar pela passagem do Piauí para o DF e pelo colchão em que estavam dormindo (cf. portal notícias r7.com.brasília).
Em reportagem no programa Fantástico no dia 02 de janeiro noticiou-se um fato acontecido na cidade de Açailândia - MA. Um homem (comerciante) e uma mulher (dentista), ao verem um jovem negro dentro de um automóvel, se deram ao direito de tirá-lo do carro, do qual era proprietário, e espancá-lo de forma brutal, porque imaginavam que o jovem estava roubando o carro. Detalhe: o jovem morava no mesmo prédio da mulher que ajudou no espancamento. O jovem foi abordado e agredido porque era negro e, na visão dos agressores, não poderia ser proprietário de um carro. Então estaria roubando o veículo. Tal caso é tipificado como consequência do “racismo estrutural”. A sociedade não tolera negros em situações que seriam consideradas próprias para os brancos. No caso mencionado o jovem foi tirado do carro. Nas lojas obriga-se a pessoa negra a apresentar nota fiscal da compra ou então é seguida de perto por seguranças que não fazem questão de disfarçar a estrita vigilância.
Outros fatos: o percentual e jovens que não estudam nem trabalham no Brasil chega a mais de onze milhões e a pandemia agravou a situação; o número de famílias na linha da miséria tem aumentado, sobretudo na pandemia, quando muitas atividades produtivas e de prestação se serviços arrefeceram; a violência continua matando e, sobretudo os negros e pobres; ainda temos uma alta taxa de desemprego; o sistema de saúde pública que já estava precarizado antes da pandemia revela grande déficit quanto ao atendimento de situações consideradas graves.
Os fatos apresentados retratam um pouco do que é o Brasil. Estamos em pleno século XXI e algumas situações limites ainda não foram resolvidas. No caso do senhor que foi atendido na casa comercial vê-se o trabalho informal e o analfabetismo, no caso de Brasília o trabalho análogo à escravidão, o jovem da cidade da Açailândia -MA, um caso típico de racismo estrutural.
Tais situações são estruturais, ou seja, estão na base do Brasil e solidificam a caracterização de um país injusto e desigual estruturalmente. Acresce-se aos fatos citados algumas situações próprias das opções econômicas e sociais do governo atual.
Entramos em novo ano com velhos problemas. O que fazer? Lembremos que sugere o Papa Francisco na Exortação Fratelli Tutti: o bem, o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam e uma vez por todas, hão de ser conquistados a cada dia (FT 11). O Brasil não está bem. As suas entranhas guardam muita dor e sofrimento. Urge um caminho de recuperação a partir da transformação das estruturas injustas. Talvez seja o grande desafio desse novo ano concedido a nós na graça de Deus, mas também no compromisso de cidadania porque Jesus afirmou “onde sofre o teu irmão eu estou sofrendo nele”.
Pe. Ari Antonio dos Reis