A Ágora, na cultura grega, é o espaço da cidadania humana. O termo traduz-se
como “assembleia”, “lugar da reunião”, espaço de alteridade entre os sujeitos
cidadãos da Pólis (cidade). Configurava-se como um espaço livre, dentre
edificações, feiras, mercados e edifícios de caráter público, onde ocorriam
encontros, relações, conversas, negociações, etc. A Ágora, enquanto espaço
comunitário social, fora muitíssimo importante para a constituição dos
primeiros estados gregos. Por quê? No que tange a constituição do “espaço
público”, ela representa a expressão máxima da “esfera pública” na construção
do contexto urbanístico grego, uma vez que para a vida social, cultural e
político econômica, fora o espaço público por excelência para o diálogo. Hoje, Papa Francisco
pondera que uma primeira alternativa possível ao caminho de construção
duradoura da “cultura de paz” acontece através do “diálogo entre as gerações”,
pois converge enquanto “base para a realização de projetos compartilhados”.
Sabemos, recordados pela Carta Encíclica Fratelli Tutti: Sobre a Fraternidade e a Amizade Social, que “para nos encontrarmos e nos ajudarmos mutuamente, precisamos dialogar” (FrT, n. 198). O que será imprescindível para que isto aconteça? Abertura de si ao outro e vice-versa. A Doutrina Social ensina que “à pessoa humana pertence a abertura à transcendência: o homem é aberto ao infinito e a todos os seres criados” (CDSI, n. 130). Enquanto ser de relação a pessoa é aberta, antes de tudo ao infinito, ou seja, a Deus, aos outros seres humanos e ao mundo, “porque somente enquanto se compreende em referência a um tu pode dizer eu. Sai de si, da conservação egoísta da própria vida, para entrar numa relação de diálogo e de comunhão com o outro” (CDSI, n. 130).
Para planejar, dialogar e realizar projetos compartilháveis e/ou mesmo políticas públicas, com vistas para o bem comum, faz-se salutar à comunidade humana discernir sua vocação antropológica, teológica e socioeclesial. No construto do caminhar cristão cada pessoa descobre-se chamada por Deus para uma missão compromisso em prol da vida e da dignidade humana. A relação de encontro e diálogo com o transcendente acontece de formas diversas, porém, ressalta-se a intimidade com a Palavra, revelada através dos textos sagrados (Bíblia). Pela Palavra, Deus dialoga primeiro na Criação, gerando vida (Gn 1 e 2). A sagrada escritura apresenta inúmeras experiências no caminhar do povo, suas relações, encontros e diálogos entre si e com o transcendente. Quando tornava-se ausente o diálogo havia turbulência, perdendo-se o horizonte de sentido e no processo, dentre as possíveis consequências, poder-se-ia encontrar violência, fome e morte.
Pela experiência cristã, compreende-se a revelação de Deus à humanidade como comunidade de pessoas, a Santíssima Trindade, na qual o Pai escolhe, o Filho chama e o Espírito Santo age para que a Palavra possa ressoar no coração humano em vista da Civilização do Amor, chamada por Jesus Cristo de Reino de Deus. Tal ação sociotransformadora realiza-se no ventre da comunidade eclesial, na qual o Batismo é a porta de acolhida e abertura aos demais sinais da comunhão fraterna, do partir do pão, da oração e dos ensinamentos (At 2,42-47). Toda experiência dialogal e a práxis de projetos de evangelização brotam pela alteridade comunitária, a Ágora do amar a Deus e as pessoas.
No percurso eclesial de construção da “cultura de paz”, pela fraternidade e amizade social, aprende-se ademais, abrir-se ao diálogo com outras instituições, grupos humanos, comunidades religiosas e estatais. É significativo considerar que neste processo dialogal “a pessoa humana há de ser sempre compreendida na sua irrepetível e ineliminável singularidade” (CDSI, n. 131) e, deste modo, “não pode ser instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social e político impostos por qualquer que seja a autoridade, mesmo que em nome de pretensos progressos da comunidade civil no seu conjunto ou de outras pessoas, no presente e no futuro” (CDSI, n. 133).
Enquanto cidadãos, partícipes da sociedade brasileira e sujeitos integrantes do Povo de Deus, compete-nos a responsabilidade, na ação evangelizadora e sociotransformadora, de ser ponte de diálogo e testemunho, rememorando às instituições, aos grupos humanos, políticos, econômicos, sócio culturais e ao Estado suas responsabilidades no zelo pela paz e bem comum. Para ser sinal neste construto “a primeira sensibilidade ou atenção é para a pessoa” (ChV, n. 292) e, consequentemente, aos demais seres que coabitam na Casa Comum.
Na Ágora contemporânea, portanto, “o diálogo social autêntico inclui a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, admitindo a possibilidade de que nele contenha convicções ou interesses legítimos”. Mais! “O debate público, se verdadeiramente der espaço a todos e não manipular nem ocultar informações, é um estímulo constante que permite alcançar de forma mais adequada a verdade ou, pelo menos, exprimi-la melhor” (FrT, n. 203). Que possamos dialogar uma cultura de paz e cidadania, dentre as gerações, objetivando projetos compartilháveis e públicos abertos à verdade na Ágora nossa de cada dia!
Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 25 01 2022.