A pergunta descrita no título acima tem a ver com dois fatos ocorridos essa semana. O primeiro, assinalado no dia 02 de fevereiro, foi o XXVI Dia Mundial da Vida Consagrada, que diz respeito a homens e mulheres que se consagraram ao Senhor através do seguimento da vida religiosa.
O segundo é marcado pela tristeza, porque mais um presbítero cometeu suicídio devido ao cansaço existencial e dificuldades no trabalho pastoral. A carta escrita deixada na igreja onde localizaram seu corpo expressa o sofrimento desse homem, também consagrado ao serviço da evangelização, mas que sucumbiu à dor e sofrimento. Antes de tudo lembremos as palavras do Mestre de Nazaré: não julgueis e não sereis julgados (Mt 7,1).
A vida consagrada e a missão presbiteral trilham caminhos diferenciados. Todavia têm a mesma base, o batismo como configuração ao Senhor e incorporação ao Povo de Deus. Desta condição emergem opções de vida determinantes na existência de uma pessoa. Uma vez que a opção é feita necessita ser alimentada cotidianamente pois é como uma planta que exige cuidado constante. O cuidado é responsabilidade da pessoa e também da comunidade onde a pessoa está inserida. Na dialética pessoa e comunidade é necessário manter a alegria e o brilho no olhar que marcaram o sim dado. Em mensagem dirigida à Vida Consagrada o Papa Francisco afirmou: Quanto entusiasmo no início das nossas histórias vocacionais, quanto encanto ao descobrir que o Senhor também me chama a realizar este sonho de bem para a humanidade! Reavivemos e cuidemos de nossa pertença porque, o sabemos muito bem, com o tempo corre o risco de perder força, sobretudo quando substituímos a atratividade do nós pela força do eu.
Então a pergunta: como manter encantamento? Não é um processo fácil. Primeiro porque somos pessoas marcadas pela fragilidade. Não somos imunes aos dramas existenciais, às crises de fé, às dificuldades de oração. Tantas vezes atravessamos a noite escura da alma (São João da Cruz) quando é penoso tomar qualquer decisão. Somos humanos e frágeis como eram os discípulos de Jesus. Atravessamos períodos de medo, insegurança e cansaço, como aqueles homens que o Filho de Deus chamou para a missão (Mc 6,48). Tantas vezes precisamos que Ele diga coragem, sou eu, não tenham medo (Mc, 6,50) ou nos pegue pela mão para não sucumbirmos nos mares revoltos da vida e da missão (Mt 14,31). A consciência da nossa fragilidade e pequenez enquanto presbíteros, consagrados e consagradas, dará condições de trilharmos o caminho da missão assumindo nossa real condição humana e não buscando falsas seguranças em alienações e subterfúgios que só atrapalham, os mundanismos espirituais aos quais se refere o Papa Francisco (EG 93).
A manutenção do encantamento pela vida e missão cristã não é algo mágico. É construída passos a passo no cotidiano da existência daqueles que se consagram ao Senhor e, como expresso, depende da pessoa e do seu ambiente de vida. Na Exortação Evangelii Gaudium publicada em 2013 o Papa Francisco sugere alguns cuidados que também poderão ajudar a sustentar o encantamento pela missão e também a sanidade dos envolvidos com a obra missionária. Ele está falando com pessoas que têm a tarefa de evangelizar, ou seja, levar a boa nova à outras pessoas; também de manter acesa a chama da fé naqueles que vivem seu compromisso eclesial. São homens e mulheres que se encantaram com a proposta de Jesus e buscam ajudar outras pessoas a também conhecê-la (EG 9).
A primeira orientação diz respeito ao compromisso de criar relações novas geradas por Cristo (EG 87). No meio de tantas informações descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos e fazer a experiência da fraternidade o que implica para cada pessoa sair de si mesmo e do fechamento pessoal para se unir aos outros existencialmente e em nome de uma causa. O evangelho nos convida abraçar o risco do encontro com o outro e considerar a sua presença física como graça e não como peso.
A segunda orientação sugere que não se crie guerra entre os cristãos. Implica em nome do compromisso evangélico superar as disputas de espaço e de poder. A comunidade não pode ser um campo minado. É um lugar de construção e vida digna e fraterna mediada pela fé. Os cristãos deveriam ser testemunho em um mundo marcado pela discórdia e pelo espírito belicista.
Vejamos uma terceira orientação. Implica na capacidade de construir pontes e não muros entre nós. É a atitude diferenciada diante do pensamento diferente e dos conflitos. Esta orientação tem um peso significativo para as comunidades cristãs e seus agentes de pastoral, em suas diferentes funções e papéis. Convida ao exercício da alteridade, colocar-se no lugar do outro e ver no outro, sobretudo o enfraquecido, a pessoa de Jesus (Mt 25,40). O muro separa e a ponte aproxima.
A quarta orientação convida a exercitarmos o imperativo da misericórdia porque ela sempre será maior que qualquer pecado (MV 3). A misericórdia reside no coração do evangelho. Implica que as relações entre nós devam se pautar pelo princípio da misericórdia que exige conversão, mudança de mentalidade em relação ao outro e em relação ao mundo.
Lembremos a canção: “um dia, como em qualquer outro dia, o Senhor me chamou para uma grande missão”. Não percamos o encanto por esta missão e não deixemos que os outros também percam. É o fundamental nestes tempos difíceis.
Pe. Ari Antonio dos Reis