Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam.
Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de tornar-se grandes cantores. Para isso fundaram escolas, importaram professores, solfejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si. Queriam ver quais deles seriam os mais importantes e teriam permissão para mandar nos outros.
Foi assim que organizaram concursos e se deram nomes pomposos. E o sonho de cada urubuzinho instrutor, em início de carreira, era tornar-se um respeitável urubu titular, a quem todos chamassem por Vossa Excelência. Tudo ia bem, até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida.
A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás. Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito:
- Onde estão os documentos dos seus concursos?
As pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram diploma para provar que sabiam cantar, cantavam, simplesmente . . .
- Não, assim não pode ser – refutavam os urubus -. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem -. E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás.
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Moral: Em terra de urubus diplomados, não se ouve canto de sabiá. Rubem Alves, no seu livro "Estórias de quem gosta de ensinar",
Para refletir:
- Em que situações uma escola pode ser parecida com essa Academia de Urubus?
- Pássaros diferentes têm cada um seu tipo de canto. Crianças têm vivências, expressões pessoais. Como se pode respeitar isso na escola?
- Que prejuízos se têm na "terra dos urubus diplomados", quando os "sabiás" ficam intimidados?