RABISCOS SEMANAIS: Aprender chorar?

Postado por: Leandro de Mello

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            A juventude contemporânea experimenta uma realidade contextual sôfrega. “Muitos jovens vivem em contextos de guerra e sofrem violência em uma inumerável variedade de formas: sequestros, extorsão, crime organizado, tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros de guerra, etc.” (ChV, n. 72). Há situações, outras, na qual jovens são vítimas de incontáveis modos de perseguição, pressão social, inclusive por razões religiosas, de fé, étnicas, econômicas, políticas ou culturais. Pensar e compreender tal realidade faz-nos saber que a juventude não é algo abstrato; antes provoca à reflexão e inquieta à missão de construir caminhos alternativos, pró vida.  

            A Exortação Apostólica Christus Vivit, assinada por Francisco, em 2019, questiona: “certas realidades da vida só se veem com olhos limpos pelas lágrimas. Convido-os para que cada um se pergunte: Eu aprendi a chorar?” (ChV, n.76). Não se trata de narcisismo sádico; não é sobre esse conceito a condução reflexiva, antes, quer-se compartir misericórdia e compaixão, à luz do Evangelho – “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados” (Mt 5,4). Quem descobre-se capaz a dispor-se, ante as cruzes juvenis, à consolar com amabilidade? Não sejamos uma Igreja, uma comunidade, uma sociedade que furta-se de chorar frente aos dramas de seus filhos(as) jovens. “A misericórdia e a compaixão também se expressam chorando” (ChV, n.76).

            Passo Fundo, capital internacional do Folclore, capital nacional da Literatura e capital do Planalto Médio, neste 2022, a saber, registra coincidentes situações violentas à vida juvenil. É salutar externar que “a dor de alguns jovens é muito dilacerante; é uma dor que não se pode expressar com palavras; é uma dor que nos golpeia” (ChV, n. 77) ou, simplesmente, torna-se índice estatístico às páginas, às redes sociais? À memória histórica, ademais, é prudente revisitar outras narrativas marcantes à Passo Fundo ligadas à juventude, à esperança e ao consolo profético e construtor de processos libertários à dignidade e à vida.

Sabe-se haver um monumento histórico municipal, na rua Uruguai, que reporta-se às lágrimas de Mariana, a escrava, Mãe Preta, e que este tornou-se chafariz nutrido por uma fonte que nunca seca. A pesquisa histórica propõe, ainda, que a “lenda” cultural referente as lágrimas da Mãe Preta faz memória à cultura Kaingang ao narrar a história da Mãe Goiexim; patrimônio histórico cultural de origem popular. Mas, por que revisitar tais memórias trazendo-as à realidade hodierna?

A memória histórica é uma opção pedagógico metodológica no processo de construção da autonomia no que tange o protagonismo juvenil. Para que se possa caminhar junto aos jovens e às jovens, chorar com eles(as), exercitar a empatia e, na alteridade, revisitar fontes que nutrem e jorram água viva, à saciar a sede por um outro mundo possível, ter-se-á que redescobrir alternativas, dentre as quais, aprender compartir as agruras juvenis. A fé cristã é, antes e essencialmente, a possibilidade de gestar o encontrar-se com Jesus Cristo através da práxis pastoral. Emerge daí a experiência do escutar as vozes juvenis a vociferar: “Se não nos contar a história, quem contará?”

Bem-aventurada pastoral juvenil que dispõe-se compartir caminhos, considerando a realidade histórico processual em seu projeto de evangelização e cuidado das juventudes, sem esquecer as obras de misericórdia que regam o esperançar. Vale sempre recordar que “a Pastoral Juvenil envolve duas grandes linhas de ação. Uma é a busca, a convocatória, o chamado que atrai novos jovens para a experiência do Senhor. A outra é o crescimento, o desenvolvimento de um caminho de maturação dos que já viveram essa experiência” (ChV, n. 209).

Portanto, ousamos confiar na capacidade juvenil em peregrinar caminhos atraentes ao chamado de outros(as) jovens à participação, à articulação, à organização, à mística, à espiritualidade, à fé. Desvela-se fundamental no trabalhar junto às jovens e aos jovens, que possamos “acalmar a obsessão de transmitir um acúmulo de conteúdos doutrinais e, antes de tudo, tratemos de suscitar e enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cristã” (ChV, n. 212) rumo à Civilização do Amor!

           

Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 26 04 2022.

 

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