“Você sempre me desloca!” Por quê? “Desloca do meu lugar de conforto. Me faz refletir a partir de outras perspectivas”, respondera a jovem pedagoga, pesquisadora e doutora em Educação, cristã e partícipe na ação pastoral junto as juventudes mineiras. A interlocução com Symaira Nonato, ao compartir reflexões e a práxis pastoral juvenil reverbera àquela inquietante resposta de chamado à vida, à luz do Evangelho: “Eu te seguirei aonde quer que fores!” (Lc 9,57). Faça-se saber, outrossim, que “as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Lc 9,58). Desconforta-te, pois, seguir?
Cada pessoa de boa vontade, cada cristã(ão) ou não, recebera gratuitamente o chamado à vida e, neste âmbito, é-lhe apresentada uma opção de caminho e discernimento capaz de gestar um horizonte de sentido à utopia concreta pessoal, social e planetária. A Santa Sé, através do Papa Francisco, encaminha à comunidade humana, neste 2022, a 59ª Mensagem referente ao Dia Mundial de Oração pelas Vocações, sob o tema: “Chamados para construir a família humana!”
Compreende-se que na vida social, política, econômico cultural e eclesial somos “todos chamados a ser protagonistas da missão;” pois, Jesus Cristo desde outrora à contemporaneidade convida: “Siga-me!” (Lc 9,59). Pertinente questionamento fizera Francisco durante a Plenária do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (06 maio 2022): “Devemos nos perguntar: o que as Igrejas fizeram e o que podem fazer para contribuir para o desenvolvimento de uma comunidade mundial, capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivem na amizade social?”
A introdução da 59ª mensagem vocacional pondera: “nos dias que correm, enquanto continuam a soprar os ventos gélidos da guerra e da opressão e frequentemente testemunhamos fenômenos de polarização, prosseguimos como Igreja o processo sinodal iniciado: sentimos urgente necessidade de caminhar juntos cultivando as dimensões da escuta, participação e partilha”. A experiência histórica, milenar, de ação-reflexão-ação em caminhada cristã, hoje, vivenciada pelo “contexto duma Igreja sinodal que se coloca à escuta de Deus e do mundo” almeja neste processo de discernimento e compromisso apostólico “contribuir para construir a família humana, curar as suas feridas e projetá-la para um futuro melhor”.
Ter-se-á que, no construto epistemológico e teológico prático pastoral, dialogando com as demais Ciências, saberes, Igrejas e Instituições, refletir acerca da vocação, uma vez que “todos somos chamados a participar na missão de Cristo de reunir a humanidade dispersa e reconciliá-la com Deus”. Dispor-se para tal construto fulgura expressivo desconforto à quem almejar protagonizar projetos profícuos ao bem comum.
Peregrinar, à luz da fé, pelo esperançar de “outro mundo possível” amplia horizontes ao caminhar social e, neste percurso, “a sinodalidade, o caminhar juntos é uma vocação fundamental para a Igreja e, só neste horizonte, é possível descobrir e valorizar as diversas vocações, carismas e ministérios”. Vale recordar sempre que “a Igreja existe para evangelizar, saindo de si mesma e espalhando a semente do Evangelho na história”. Uma vez que cada batizado(a) é “sujeito ativo de evangelização” (EG, n. 120), “toda a Igreja é comunidade evangelizadora”.
Qual resposta possível? Francisco propõe caminhos de reflexão e ação à humanidade ao dizer que todos(as) são chamados(as) a ser guardiões uns dos outros e da criação; a acolher e responder ao olhar de Deus; e, também, são convocados(as) à construir um mundo fraterno. “Somos chamados a ser guardiões uns dos outros, a construir laços de concórdia e partilha, a curar as feridas da criação para que não seja destruída a sua beleza”.
À vida eclesial e social somos “chamados a acolher o olhar de Deus”, pois, “o seu olhar de amor sempre nos alcança, toca, liberta e transforma, fazendo com que nos tornemos pessoas novas”. Nesta trajetória, em conjunta construção, “somos alcançados pelo olhar de Deus, que nos chama” e revela-se, em Jesus Cristo, no rosto, no falar, no agir e tocar de cada pessoa. Destarte, “Deus nos olha: em cada um de nós, vê potencialidades, às vezes ignoradas por nós mesmos, e atua incansavelmente, ao longo da nossa vida, a fim de as podermos colocar ao serviço do bem comum”.
Tal experiência pervade-nos, então, à que atitude? “À escuta da Palavra, para nos abrirmos à vocação que Deus nos confia! E aprendamos a escutar também os irmãos e irmãs na fé, porque nos seus conselhos e exemplo pode esconder-se a iniciativa de Deus, que nos indica estradas sempre novas a percorrer”. Tranquiliza, assim, saber que a fraternidade universal e a amizade social corroboram à resposta ao chamado vocacional, possibilitando viver a partir de um propósito, ao passo que convoca à profética atitude de ser sinal testemunho à outrem.
Ademais, uma vez conscientes e compreendendo-se chamados(as) à “responder ao olhar de Deus”, torna-se perceptível ao cotidiano epistemológico e prático da vida que “o olhar amoroso e criador de Deus alcançou-nos de forma singular em Jesus”. Emerge, por conseguinte, que diuturnamente, “deixemo-nos tocar por este olhar e ser levados por Ele para além de nós mesmos!” Neste agradável desconforto, a pulsar vida, processualmente, abrasamo-nos chamados(as) à aprender a olhar-se e escutar-se na alteridade societária, pois, “a nossa vida muda quando acolhemos este olhar. Tudo se torna um diálogo vocacional entre nós e o Senhor, mas também entre nós e os outros”.
Por fim, vocacionados(as) à Civilização do Amor, almeja-se responder ao convite “para construir um mundo fraterno” de forma conjunta, participativa, protagonizando articulações e costurando diferenças múltiplas que, somadas, transformam-se em redes de força à germinar projetos, pois, “somos como os ladrilhos dum mosaico, belos já quando vistos um a um, mas só juntos é que formam uma imagem”. Na beleza simples e profunda de seguir Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre, somos, a saber, chamados(as) juntos(as) às juventudes e suas singularidades. “Tal é o mistério da Igreja: na convivência das diferenças, ela é sinal e instrumento daquilo a que toda a humanidade é chamada. Para isso, a Igreja deve tornar-se cada vez mais sinodal: capaz de caminhar unida na harmonia das diversidades, onde todos têm a sua própria contribuição para dar e podem participar ativamente.”
Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 10 05 2022.