Revisitando o 13 de maio e a história do povo negro

Postado por: Ari Antônio dos Reis

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Mas o meu canto é bonito, nem dor ou corrente jamais abafou!

A data de 13 de maio é uma referência histórica importante no calendário nacional devido à assinatura da Lei Áurea que declarava extinta a escravidão. Entretanto o fato é controverso pelas condições da propalada abolição. A assinatura não foi seguida de um processo reparatório aos negros que por quase três séculos sofreram as consequências do trabalho servil sustentando a economia do Brasil.

Lembra-se esta data não com um ufanismo ingênuo, mas pela necessidade de revisitar o processo escravagista sob o risco do esquecimento ou interpretação equivocada de um período histórico que deixou marcas profundas no povo negro. Recentemente foi noticiada a decisão de uma universidade conceituada dos Estados Unidos em apoiar iniciativas de reparação aos negros norte-americanos a partir do reconhecimento de que ela se beneficiou da escravidão e apoiou teses infundadas de sustentação teórica da escravidão.  Esta iniciativa só foi possível pela coragem da direção da Harvard olhar o seu passado criticamente percebendo as injustiças cometidas. 

Esta iniciativa alvissareira indica que a revisitação histórica não pode ser um processo raivoso, contudo deve ser crítico, propositivo e comprometido com possíveis reparações. É sabido que no Brasil os cidadãos de origem afro-brasileira ainda sentem as consequências da escravidão e sua estrutura de sustentação. Não é possível desconhecer os dados que asseguram as difíceis condições de vida do povo negro. Esta situação tem um lastro histórico e a visita a este lastro compreende algumas descobertas.

Primeiramente compreender que existia uma história dos povos africanos, rica e promissora, antes da escravidão moderna. Esta história, devido ao projeto colonialista europeu, foi marcada pela ocupação dos territórios africanos com o objetivo da extração das riquezas naturais e da captura de mão de obra em vista da servidão. É mister compreender que a história dos povos africanos não começa com a escravidão. É anterior ao fenômeno e sobreviveu a ele. Desconhecer este fato implica em uma leitura limitada da tradição rica secular dos povos africanos.

Também compreender escravidão moderna que atingiu os negros como um projeto econômico de grande envergadura e de extrema importância na economia colonial. Não foi caminho de sustentação econômica de apenas um país, mas opção de várias nações europeias. Foi tão significativa que durou três séculos, só arrefecendo pela tenaz resistência dos negros e pela descoberta de novos pilares de dinamização da economia. Quanto a esta questão cabe afirmar que sem a mão de obra dos negros o Brasil não seria como é hoje.  

A necessidade econômica das nações assentada no escravagismo exigiu a justificativa, ou seja, a sustentação da decisão de um ser humano escravizar seu semelhante em larga escala. A criatividade humana negativa permitiu a criação de várias teses segundo os diferentes ramos do conhecimento. Buscava-se com isso dizer da razoabilidade do modelo escravagista moderno. Não se sustentaram. Infelizmente em tempos atuais tenta-se reavivar algumas dessas ideias.   

A servidão, além das justificativas, teóricas necessitou também de um arcabouço simbólico de manutenção no tempo em que durou e que perdurou nos períodos posteriores. O eixo era a negação da importância da cultura de origem africana, assimilada acriticamente inclusive por parte da população negra.  Estruturou-se na caracterização arbitrária dos elementos da cultura de origem africana como sem valor ou sentido ao mesmo tempo em que se insistia na adoção de um modelo cultural de origem europeia. Buscou-se, nesse processo, tornar invisível a contribuição dos negros na formação cultural brasileira nos diferentes setores.

A ação articulada de tornar invisível ou de menor importância o legado cultural dos negros sustentava o processo de tornar menos importante a sua importância na história do Brasil. Com isso ficava relativizada a noção de que os negros foram importantes na estruturação do Brasil enquanto nação. Um exemplo do fenômeno é que em muitas cidades encontramos monumentos de figuras controversas da nossa história. Encontramos, todavia poucos monumentos ou logradouros públicos como nome de personagens negros.   Entretanto, o legado não se perdeu e hoje de diferentes formas tem sido mostrado aos brasileiros um bonito processo de recuperação ou acerto de contas com a história.  Ele está presente na religiosidade, música, arte sacra, linguagem e tantos outros setores. Há muita coisa bonita a ser descoberta.

Se continuamos vivos depois de tantas situações de vida ameaçada pelas diferentes formas de violência é importante darmos outros passos. A revisitação da história com outras lentes interpretativas contribuirá no caminho. A data de 13 de maio existiu e deve ser assinalada. O povo negro, contudo, a lê de uma forma diferente.  

Pe. Ari Antônio dos Reis

 

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