A comensalidade
compõe o construto histórico da sociedade humana em sua compreensão
antropológica social, cultural, político econômica e eclesial. Derivando do
Latim – “mensa” – o termo guarda expressiva significância à alteridade de
sujeitos, pois, conclama ao convívio à mesa, isto é, à companhia à mesa, àquela
experiência contínua de encontrar-se para compartir o existir ao nutrir-se,
“não somente de pão” (Mt 4,4), mas daquilo que sustenta o sentido pleno do bem
viver, da vida em abundância (Jo 10,10).
A comunidade social brasileira, hoje, peregrina agruras no que tange a comensalidade em seu sentido pleno. Por quê? Segundo consta na pesquisa apresentada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), há milhões de brasileiros(as) em situação de insegurança alimentar. O que isto significa? Se, em 2020, havia 19,1 milhões de pessoas sem acesso pleno e permanente ao “pão nosso de cada dia”, neste 2022, considerando os dados coletados entre novembro de 2021 e abril deste ano, através dos 12.745 domicílios visitados, em 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal, descobriu-se que, em 28% das casas pesquisadas, havia incerteza em relação ao acesso alimentar.
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto contemporâneo, e da Pandemia (Covid-19) no Brasil, registra que 30,1% dos domicílios têm restrição quantitativa de alimentos, nos quais 15,5% convivem diuturnamente com a irmã fome. Considerando as condições de desigualdade socioeconômica nacionais, uma vez que 43% das famílias brasileiras angaria-se à mesa com renda per capita máxima de ¼ do salário mínimo, obtém-se o tenso índice de 125,2 milhões de pessoas convivendo com insegurança alimentar, sendo 33,1 milhões com fome ininterrupta.
O recrudescimento da insegurança familiar cresceu gravemente, pois, de 9% durante o terceiro trimestre de 2020, alcançou 15,5% no primeiro trimestre de 2022. Processos político econômicos, instabilidade ou mesmo a extinção de instituições, somados a carestia de políticas públicas corroboram amplamente para este progressivo e indigesto contexto vigente. Torna-se pertinente e, poder-se-á dizer, de prima importância, então, interrogar-nos acerca dos princípios elementares à comensalidade, não é verdade?
No contexto socioantropológico, a comensalidade convida à gestar caminhos profícuos à plena vivência, isto é, ao cuidado integral da pessoa e sua rede de relações humano sociais, político econômicas, culturais e eclesiais. Tal desenvolvimento descobre-se nascituro desde a produção saudável e sustentável de alimentos, sua comercialização, incluídos o preparo, cozimento e prazerosa ingestão, regados de oportuna e fraterna companhia, seja ela familiar ou amistosa.
A antropologia cristã, abraçada a psicologia e demais ciências humanas, contribuem conosco na compreensão desta trajetória existencial, e à consciência de nossa constante condição de mudança, enquanto seres sociais que, naturalmente, necessitam relacionar-se. Neste sentido, a comensalidade desvela-se um real e salutar artifício à incansável busca pelo sentar-se juntos(as) à mesa do bem viver societário, salvaguardando as leis fundamentais da sagrada refeição, quais sejam, a quantidade, a qualidade, a harmonia e a adequação.
A saber, por fim, a escritura sagrada rememora: “quando chegou a hora, Jesus sentou-se à mesa com os apóstolos e disse-lhes: desejei ardentemente comer com vocês esta ceia de Páscoa, antes de sofrer” (Lc 22,14-15). Portanto, seja pelo princípio moral religioso ou ético societário, cabe-nos preservar o direito fundamental à refeição que satisfaz a necessidade existencial humana essencial e, ademais, fomentar à comensalidade enquanto elemento fundamental à nobre construção e promoção da identidade cultural de uma sociedade cidadã e seu contínuo modus vivendi.
Padre Leandro de Mello - @padreleojuventude. Passo Fundo, 28 06 2022.