Diante de uma cabeça branca te levantarás (Lv 19,32).
A memória litúrgica de São Joaquim e Santa Ana, celebrada no dia 26 de julho, é sugerida pela Igreja como ocasião de celebrar também o dia dos avós. A lembrança carrega dimensões que vão além do aspecto afetivo, por si só de grande valor, porque o afeto diz respeito ao mais profundo da nossa humanidade e é o grande vínculo entre as diferentes gerações. Além do aspecto afetivo o que esse dia sugere para a humanidade?
A celebração do dia dos avós convida a olhar para a tradição familiar e acolher compreensão de que cada geração não existe “solta” na história, desconectada de um passado, de uma tradição familiar. É consequência das gerações anteriores as quais se deve respeito e consideração. Assim como uma planta permanece vistosa se tem raízes profundas, precisamos de raízes para conduzir nossa vida. Na Exortação Chistus Vivit o Papa Francisco escreve sobre a importância de se ter raízes: com efeito, é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. É fácil extraviar-nos, quando não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos (cf. ChV 179).
Os povos africanos têm este princípio bem resolvido. Para eles, cada pessoa está no mundo graças ao querer de seus pais e avós. O indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente. É filho e neto de alguém. O descendente vem do ascendente. Então, o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente. A pessoa deve muitas coisas à existência daqueles que vieram antes dela, e criaram as condições para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Tais princípios garantem o equilíbrio de uma existência. A pessoa é porque seus antepassados quiseram que fosse. Então tem o compromisso de garantir a existência de outros. Quem irá lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência serão seus descendentes, os filhos e os netos. Nesse caso o olhar para os avós será sempre um olhar de reverência, agradecimento e reconhecimento pela permissão da existência. Este primeiro aspecto acentua a consideração da existência da pessoa no mundo ligada a um fluxo de vida, do qual ela é parte integrante e ao mesmo tempo devedora.
O Papa Francisco na mesma exortação Christus Vivit descreve a necessidade de ajudar os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, conservando-a na memória e valendo-se dela para as suas decisões e possibilidades. É um verdadeiro ato de amor para com eles visando o seu crescimento e as opções, que são chamados a realizar (ChV 187). Tal atitude permite olhar para o passado, para a trajetória dos pais e avós com atenção e consideração, tendo-a como importante na vida presente.
Junto à existência ligada a uma trajetória familiar está a memória histórica. Somos enraizados em uma família e também na sua história, da qual vamos nos apropriando através da memória. Fazer memória e contar a história ajuda a viver. Isto é possível pelo contato com os que nasceram antes. A existência das relações intergeracionais supõe a memória, pois cada geração retoma os ensinamentos de quantos a antecederam, deixando assim uma herança aos seus sucessores. Isto constitui quadros de referência para alicerçar solidamente uma sociedade nova. Como diz o ditado: Se o jovem soubesse e o velho pudesse, não haveria nada que não se fizesse (cf. ChV 191). A memória motiva olhar o passado sem perder de vista o tempo presente e projeta a esperança no futuro.
A data provoca compreendermos também a fragilidade humana. Uma árvore não permanece bonita e vistosa para sempre. O ser humano carrega na sua história a possibilidade real das limitações próprias do gênero. A convivência com os avós enseja a pedagogia da finitude humana física e existencial. Podemos ver nessa condição o caráter libertador, pois assumimos que não somos tudo e não podemos tudo. Esta condição é um convite à humildade, ao respeito e à reciprocidade. Nossos avós estão mostrando a nossa situação futura, a realidade em que todos estaremos.
A vida tem sentido se partilhada em diferentes dimensões. O mundo insiste em ensinar aos jovens uma condução de vida egoísta e fechada em um eu auto satisfatório. É um caminho frágil e fadado ao fracasso. Ao mesmo tempo as novas gerações expressam grande fragilidade existencial ao ponto de até perderem o sentido do viver. A terceira idade tem algo a ensinar aos jovens, as gerações mais recentes. O Papa Francisco ensina: aos jovens temerosos, podemos dizer que a ânsia face ao futuro pode ser superada. Que podemos ensinar-lhes? Aos jovens excessivamente preocupados consigo mesmos, podemos ensinar que se experimenta maior alegria em dar do que em receber, e que o amor não se demonstra apenas com palavras, mas também com obras (ChV197).
Os nossos avós, ao mesmo tempo que sustentam nosso passado, são referência no presente e dizem do nosso futuro. Esta interlocução histórica é a reserva de sobriedade e serenidade para todos. Não a percamos de vista.
A celebração do dia dos avós convida a refletirmos o sentido profundo da vida em todas as gerações.
Pe. Ari Antonio dos Reis