A interação do ser humano com a natureza e, especialmente, o cavalo registra-se histórica na construção das civilizações, chegando ao tempo presente. Há, inclusive, dentre múltiplas culturas, lendas acerca da relação entre pessoas e equinos. Na mitologia grega, por exemplo, o Centauro é descrito como uma criatura mítica com a parte superior humana (cabeça, braços e tronco) e a inferior com corpo de cavalo. A presença de equinos no cotidiano das civilizações traduz experiências diversas, boas e más, diga-se. A cavalo, na história dos povos, há tombos e glórias!
Sabes cavalgar? A passo, a trote, ou a galope é possível interagir com o cavalo e compartilhar, por seu movimento, a transmissão de 90 a 120 impulsos, por minuto, ao estar em seu dorso. Por quê? Ao se locomover o cavalo produz movimentos tridimensionais similares aos movimentos humanos e, neste sentido, existe significativa correlação entre ambos. Todavia, para uma boa execução na cavalgada torna-se importante a harmonia entre a pessoa e o equino, pois, durante o passo do cavalo, os movimentos multidirecionais para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para a frente e para trás, desequilibram o corpo da pessoa em relação a linha mediana gravitacional; logo, para que o indivíduo mantenha-se, em segurança, sobre o cavalo precisará reagir aos seus deslocamentos de forma coordenada com todo seu aparelho locomotor, garantindo equilíbrio e respostas necessárias adequadas.
À memória fulguram passagens infanto-juvenis pessoais e comunitárias a respeito da proximidade com a natureza e os equinos. A raiz interiorana corrobora para tais experiências que, hodiernamente, poetizam canções, escritos, diálogos e vivências ligadas à religiosidade, à vocação cristã e suas diversas expressões. A título de exemplificação pode-se recorrer ao testemunho do Padre João Gheno, 93 anos, que compartilha memórias e histórias de sua missão, enquanto presbítero, muitas vezes a cavalo.
O Rio Grande do Sul, outrossim, em preparação à Semana Farroupilha, registra diversas cavalgadas pelas regiões tradicionalistas para a condução da Chama Crioula que, neste 2022, fora acesa em Canguçu pelas mãos do adolescente João Pedro Coelho, em alusão aos Lanceiros Negros, e posteriormente entregue aos grupos de cavalarianos(as). E, ademais? Irmã Mary-Joy, inspiradora do Wormwood Scrubs Pony (Centro de Pôneis) de Londres, encontrou sentido para sua vida e vocação através da profunda relação com equinos. Há mais de 30 anos, por meio da hipoterapia, desenvolve expressivo trabalho com crianças, adolescentes, jovens e adultos com necessidades especiais e deficiências psicofísicas.
A expressão hipoterapia, derivada dos termos gregos híppos (cavalo) e therapeía (terapia, cuidado), traduz-se como método terapêutico e educacional, segmento da Equoterapia, que visa a reabilitação de pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais, munindo-se de equinos como instrumento de trabalho junto de uma equipe de profissionais especializados na condução de um processo capaz de promover mudanças físicas, sociais e psíquicas aos praticantes. Na hipoterapia evita-se o trote e o galope, optando-se para o exercício que o cavalo movimente-se a passo, pois, proporciona a montaria benefícios neurofisiológicos e psicomotores.
Religiosa junto a Congregação das Irmãs do Menino Jesus, Irmã Mary-Joy realizou sua primeira missão, em Liverpool, ao desenvolver uma escola de equitação com três pôneis somente. Contudo, a persistência no cultivo vocacional a serviço da vida das crianças, adolescentes, jovens e adultos através da hipoterapia, com o passar dos anos, fora reconhecido até mesmo com premiações, como a Medalha do Império Britânico concedido pela Rainha, pois, já ultrapassam as 11 mil pessoas beneficiadas pelo projeto.
Segundo Mary-Joy “se você é capaz de sonhar, o que você deseja acontecerá” (Vatican News/IHU). À luz do Evangelho, experiências diversas ganham sentido salutar à sociabilidade e à cidadania dos sujeitos imbricados no processo de alteridade sociocultural, político econômica e eclesial. A caridade à vida cristã é expressão cotidiana do amor à Deus e às pessoas, em gestos, pensamentos e palavras, como recorda a Sagrada Escritura na parábola que identifica o gesto misericordioso do Bom Samaritano; este sujeito, encontrando-se com uma pessoa debilitada, aproxima-se, trata-lhe as feridas e, em seu animal de montaria, a conduz para um local adequado à sua plena recuperação. Portanto, a cavalo ou não, “vá, e faça você também a mesma coisa” (Lc 10,30-37).
Padre Leandro de Mello – @padreleojuventude. Passo Fundo, 23 08 2022.