RABISCOS SEMANAIS: Atemporal!

 12/09/2022 - 17:50hrs
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Atemporal traduz-se como adjetivo de dois gêneros qualificado para indicar algo ou alguém não condicionado ao tempo, isto é, fora do domínio do tempo, com abstração do tempo, acrônico. Padre Vieira escrevera que “o tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e de outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa” (Padre Antônio Vieira, História do Futuro, 1718).

Segundo o livro de Coélet, datado do século III a.C., “para tudo há um momento, e um tempo certo para todo o propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou [...]; tempo para estar de luto, e tempo de dançar; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz” (Ecl 3,1-8). Haverá hora certa à contemporaneidade do bem viver?

Quando, em 1965, através do Concílio Ecumênico Vaticano II, fora promulgada a Dei Verbum, a saber, obteve-se o discernimento de que a Sagrada Escritura é a “fonte de toda a verdade”, o “espelho” através do qual a Igreja contempla Deus (DV 7), “alimento” e “fonte pura e perene da vida espiritual” (DV 21) e, desta forma, seu conhecimento e compreensão reverbera a “alma da teologia” (DV 24), bem como da vida e missão de toda a Igreja. Tal clareza propiciou revisitar a historicidade em processo para que a Bíblia, a Palavra de Deus, regressasse às mãos do povo e corroborasse, por sua centralidade, à luz da fé, na evangelização. Ademais, a Verbum Domini expressa que “a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela”. 

Assim, a Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) propõe anualmente, em setembro, a oportunidade para que comunidades cristãs, e todas as pessoas de boa vontade, possam realizar uma experiência de “educação bíblica”. Neste 2022, em alusão à memória dos 200 anos da Proclamação da Independência do Brasil, sugere-se, ao Mês Bíblico, revisitar o Livro de Josué, pois, em seu caminhar junto as pessoas, o povo hebreu, articulou pedagogicamente a conquista e justa utilização da chamada: “Terra Prometida!”

O convite ao estudo perfaz-se atemporal, porém, contextualizado ao tempo presente. Por quê? Quem ama abstrai-se do cronos para nutrir-se pelo kairós e, portanto, salvaguardar pleno sentido à caridade, à solidariedade e à vida. O jovem Josué maturou, sob guia da justiça social, no construto do caminho exodal, com sua família e comunidade, ao buscar diuturnamente dignas condições ao bem viver societário na firme esperança que lhe fora proferida: “O Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (Js 1,9). Houve, sim, dúvida, medo, conflitos, mas também inúmeras provas de certeza e a coragem de seguir em busca de uma utopia concreta neste árduo percurso de libertação.

Dentre os grandes ensinamentos deste projeto construído coletivamente, capaz de gestar uma identidade religiosa e fermentar uma expressiva transformação social está, por fim, uma salutar decisão a tomar. A narrativa bíblica memora que, através da Assembleia de Siquém, Josué convocou todas as pessoas envolvidas no processo à uma grande e atemporal decisão: crer/servir ao Deus libertador, Javé, ou então, abraçar-se aos deuses de seus antepassados. Ao fazer memória do amor atemporal de Deus para com o povo Josué, então, recorda o importante objetivo de liberta-se da opressão, da fome, da miséria e de quão fundamental fora a presença fiel de Javé neste tempo oportuno (Js 24,1-13); e por fim, enfático, testemunha: Escolhei hoje a quem quereis servir! [...] Quanto a mim e à minha casa, serviremos a Javé” (Js 24,15). 

           

Padre Leandro de Mello – @padreleojuventude. Passo Fundo, 13 09 2022.

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