Onde está um irmão com fome eu estou fome nele!
Estamos nos aproximando do pleito eleitoral de 2022. Os novos governantes e legisladores terão pela frente, entre outros desafios, o enfrentamento da realidade de fome que bateu à porta de muitos lares. Em reportagem publicada no dia 15 de setembro pelo Jornal Zero Hora vê-se números preocupantes.
No Brasil, três em cada dez famílias, enfrentam algum nível de falta de alimentos ou passam fome. Em outros números significa que cerca de 125,2 milhões de pessoas padecem de insegurança alimentar grave, moderada ou leve. Por insegurança alimentar compreende-se a não possibilidade de alimentar-se de forma adequada por certo período. Na forma grave traduz-se em fazer apenas uma refeição ao dia ou ficar o período inteiro sem comer. Pode acontecer que a família vá dormir sem se alimentar e não tenha certeza se no outro dia vai conseguir comer.
A população do Rio Grande do Sul, segundo a reportagem, também padece devido à fome. São em torno de 14,1% das famílias gaúchas sofrendo pela falta de comida. Se comparado à Santa Catarina e Paraná nosso Estado é o que tem a situação mais grave. É surpresa pelo fato da região sul do Brasil se destacar pela produção de alimentos em larga escala.
O problema da fome é brasileiro e também, com maior gravidade, mundial. No mundo cerca de 828 milhões de pessoas passam fome, segundo relatório da Organização das Nações Unidas – ONU que compilou dos dados até 2021. O Papa Francisco durante pronunciamento na Pré-Cúpula Sobre os Sistemas Alimentares da ONU realizado no dia 26 de julho, afirmou: “produzimos comida suficiente para todas as pessoas, mas muitas ficam sem o pão de cada dia. Isso constitui um verdadeiro escândalo, um crime que viola direitos humanos básicos. Portanto, é um dever de todos extirpar esta injustiça através de ações concretas e boas práticas, e através de políticas locais e internacionais ousadas.”
No caso do Brasil a gravidade da situação aponta para a necessidade de algumas decisões. A primeira, já levantada em outro momento, diz respeito a um possível programa de combate à fome ser assumido como programa de Estado pelo tempo que for necessário e não submisso às nuances de um ou outro governante como tem acontecido. Pela gravidade as iniciativas de combate a fome ganhariam este status.
Em segundo lugar compreender que a fome também se combate com geração de emprego e de renda. O ainda alto nível de desemprego e as ocupações informais estão na base da deterioração social das famílias e têm como consequência mais nefasta a fome. As iniciativas de geração de renda exigem grande orquestração social com partilha de responsabilidades entre governo e sociedade civil. No passado já tivemos iniciativas consistentes nessa linha. Cabe retomar corrigindo as falhas.
Em terceiro lugar. Devido ao alto nível de deterioração social, causado pela pandemia e leniência dos governos, sobretudo do governo federal é importante potencializar novamente a rede de proteção social. Esta envolve diferentes mecanismos e iniciativas. Neste sentido causa preocupação a notícia do recente corte orçamentário do programa farmácia popular, sabendo-se que os gastos com medicamentos interferem de forma robusta na renda familiar. Também preocupa o congelamento das verbas para a merenda escolar. Boa parcela das crianças pobres tem na merenda escolar uma fonte de alimentação saudável, quando não há certeza de ter comida em casa. Por fim a dificuldade com as creches públicas. Uma mãe com necessidade de trabalhar precisa de creche para deixar seu filho em segurança. É uma equação muito complicada ter que escolher entre o trabalho, que aumentaria a renda familiar, e o cuidado dos filhos. No caso das creches existe um leque de possíveis parcerias entre o Estado e a sociedade que precisam ser ajustadas e potencializadas. Não temos visto vontade política em combater a fome e as diferentes formas de fragilidade social.
Vê-se que é um leque de limitações sociais, que só aumentaram nos últimos anos e que explicitam, como uma das consequências, o aumento da fome no Brasil e no RS. É necessário frear este processo de depreciação social. Política pública não é gasto, é investimento e direito do cidadão.
Não esqueçamos, entretanto que a fome não deve ser apenas preocupação desse ou aquele governo. É preocupação de todos nós, de toda a humanidade. Para os cristãos com mais consistência, segundo o que disse Jesus de Nazaré, “eu estava com fome e me deram de comer” (Mt 25,35). No faminto está o meu irmão e a minha irmã e o Filho de Deus.
Pe. Ari Antonio dos Reis