RABISCOS SEMANAIS: Flamejar o Coração!

 18/10/2022 - 13:26hrs
Compartilhe

Fazer a opção pedagógica missionária de caminhar com as juventudes, à luz do Evangelho, implica, diuturnamente, uma árdua clareza, em ter os pés na realidade histórica, o Reino por horizonte e o coração ao profético amor capaz de respirar a mistagogia do jovem de Nazaré. Quando a Igreja Latino-americana e Caribenha faz, em Puebla (1979) a opção fundamental pelos pobres e pelos jovens, sinaliza às pessoas, às comunidades, ao continente e ao mundo que, ao evangelizar é salutar a consciência acerca de importantes decisões.

A Conferência de Aparecida (2007), parafraseando Bento XVI (Deus Caritas Est, 1), retoma, pois, que “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp, 12). João evangelista, a saber, recorda-nos que Jesus, estando na Judéia rumo à Galileia “precisou passar pela Samaria” (Jo 4,4) e, em Sicar, encontra-se dialogicamente com uma mulher samaritana, ao meio dia, junto à fonte de Jacó (Jo 4,5-6). Bem! Sabe-se, através da ciência teológica, que o caminho preferido pelos judeus, rumo à Galileia ou à Judeia, desconsiderava peregrinar a Samaria, pois, havia desconforto com os samaritanos e, assim, seguia-se pelo outro lado do Rio Jordão.

A opção mistagógica de Jesus, em pisar o solo da Samaria, assim, repercute à necessária escolha de encontrar-se com uma nova perspectiva que, gradativamente, rompe determinado comportamento sociocultural impregnado ao viver da comunidade judaica e samaritana. Ora, “a vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida” sugere Vinícius de Moraes (Samba da Bênção). Neste sentido, fora preciso reconstruir a cultura do encontrar-se e, apesar das asperezas, dialogar e, “em espírito e verdade” (Jo 4,23-24), transformar um histórico desencontro em fraternidade e amizade social a gestar novos e salvíficos colóquios (Jo 4,30).  

Oxigenar a práxis pastoral com as juventudes requer escutar, discernir e agir, metodologicamente, um caminho sinodal, exorta-nos Francisco, pois, “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG, n. 176), no qual encontra-se a juventude, povo de Deus, reunida “na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG, n. 4), aberta à participação, à comunhão e à missão porque almeja, também, protagonizar uma “Igreja em Saída” aos confins da Casa Comum (At 1,8), às periferias existências e geográficas.

Propor-se à vida uma práxis pastoral mistagógica com as juventudes prefigura responder a compreensão – implícita na fé Cristológica de um Deus que revela-se humano e torna-nos divinos – que respira a utopia concreta da Civilização do Amor e conclama à esperança, pois, “a partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a ação evangelizadora” (EG, n. 178).

Lucas, evangelista, reza que, repleto do Espírito Santo, Jesus, após retornar do Jordão, aonde acolhera o batismo junto a João Batista, segue, via deserto, um caminho de discernimento que o conduz, “com a força do Espírito” (Lc 4,14), à Galileia para reverberar a profecia de Isaias: “o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos pobres. Enviou-me para anunciar a libertação aos presos e a recuperação da vista aos cegos, para dar liberdade aos oprimidos, e para anunciar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Toda opção convoca para uma ação que compromete!

Vocação, do latim “vocare”, significa, à luz da fé cristã, resposta livre e gratuita ao chamado à missão apostólica. Se outrora, Jesus foi à montanha e, tendo passado a noite em oração, ao amanhecer escolheu e convocou doze sujeitos chamando-os apóstolos (Lc 6,12-16), “lhes deu poder e autoridade e os enviou para anunciar o Reino de Deus e curar” (Lc 9,1-2); hoje, refaz-se este convite pelo viés da sinodalidade que constrói-se passo-a-passo, encontro a encontro, com planejamento, metodologia, participação e articulação.

A dinâmica lucana, ademais, salvaguarda à memória que “Jesus tomou a firme decisão de partir para Jerusalém” (Lc 9,51) e, diga-se, não encontrava-se sozinho neste percurso. E se, no contexto bíblico, Jerusalém fora o coração da mística à paixão, morte e ressurreição, qual seria, à contemporaneidade, o coração da espiritualidade libertadora que transforma “uma economia da exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata” (EG, n. 53), em caminho de “vida em abundancia” (Jo 10,10)? Ter-se-á, talvez, que revisitar a parábola na qual Jesus pondera ser “preciso festejar e se alegrar, porque esse seu irmão estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32), como expressa o misericordioso pai ao dialogar com o filho a respeito de seu irmão.

Há esperança, portanto, mesmo com tantas desesperanças! Faz flamejar o coração (Lc 24,29-33) o ardente desejo (Lc 22,15) de estar à mesa da comensalidade com as juventudes e nutrir-se, pela partilha do “Pão” e da “Palavra”, na caminhada que, não sem cruz, leveda o fermento da alteridade do sonhar juntos(as) um “outro mundo possível”, habitado por pessoas “perseverantes” (At 2,42-47), pois, “a morte foi afogada na vitória [...] por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, meus amados irmãos, sejam firmes e inabaláveis. Continuem progredindo sempre na obra do Senhor, certos de que a fadiga de vocês no Senhor não é inútil” (1 Cor 15,54-58).

Padre Leandro de Mello – @padreleojuventude. Passo Fundo, 18 10 2022.

Leia Também Para entender o amor Primavera: Tempo de Renascimento Viver à altura do Evangelho A Palavra de Deus