RABISCOS SEMANAIS: Continuar!

 25/10/2022 - 08:11hrs
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À vocação humana, imagem e semelhança de Deus, Uno e Trino, o poder absoluto e o isolamento prestam contratestemunho à fraternal comunhão e à alteridade social, gestoras de protagonismo e cidadania que, no âmago das relações, corroboram processualmente à humanização dos sujeitos. Dispor-se a construir um projeto de vida alicerçado aos princípios cristãos inspira à leitura e interpretação do contexto histórico, pois, sabe-se que o caminho rumo à Civilização do Amor perpassa o complexo cotidiano da vida que transforma-se na interação participativa.

Se considerarmos, a saber, a opção ministerial de assessorar e acompanhar jovens, traduz-se, à vivência social cristã, uma atitude de fé que delineia-se, enquanto resposta à experiência do transcendente revelada pelo viés do compromisso com o projeto de Jesus Cristo, transfigurado à “carne” das juventudes. Compõe, então, o planejamento da práxis pastoral de quem segue o caminho do Jovem de Nazaré, um ato político-pedagógico, evangelizador e, consequentemente, libertador à humanização.   

Para melhor ilustrar tal reflexão, fazemos referência à oportunidade na qual, com alguns jovens, seguimos à capital gaúcha, pois, haveria um encontro estadual de assessores e jovens. Dentre as jovens partícipes do processo, uma havia, recentemente, recebido sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e, portanto, precisava obter experiência com direção rodoviária. Ao sair para a viagem àquela jovem se dispôs a dirigir alguns quilômetros e, às vezes, perguntava: “Até aqui está bom, posso parar?”

Terno e propositivo, contudo, respondia-lhe: “Continue um pouco mais!” Registram-se 300 quilômetros de Passo Fundo à Porto Alegre e, por certo, não havia pressa em chegar ao destino. Seguíamos rodando pela rodovia, observando a realidade, dialogando e superando, gradativamente, inseguranças. Passados outros quilômetros a jovem torna a perguntar: “E agora, já posso parar?” E, por resposta: “Continue um pouco mais!”

Percorridos 100 km, aproximadamente, o fluxo veicular tornou-se maior, havendo diversos veículos pesados de transporte; grandes caminhões! Há trechos com pista dupla, fazendo-se necessário ultrapassar tais veículos. A jovem, ao volante, pergunta: “O que devo fazer?” Dizia-lhe, pois, “continue dirigindo!” Eis que alcançou-nos uma instabilidade, passou a chover; alguns carros começaram a encostar e, novamente surge a questão: “Está bom até aqui, posso parar?” A sugestão fora seguir um pouco mais, com cuidado e paciência.

Há um trecho da rodovia com sinuosas curvas e serra. O fluxo de veículos torna-se lento, agrega maior atenção e tensão devido, ademais, a possível neblina. Somavam-se cerca de 200 km de percurso e orientação à viagem. “É a serra! Posso parar, agora?” Perguntou a jovem condutora. “Melhor não, continue, um pouco mais!” Então, vencido o percurso serrano, a chuva e outras situações, avistou-se uma espécie de paradouro, um refúgio, com espaço para descanso, alimentação e toilet. Sugeriu-se, outrossim, uma parada pedagógica e todos(as) concordaram.

Ao descer do veículo a jovem questiona: “Por que pedes para estacionar, agora, quando melhorou o caminho?” Bem, à resposta, exorta-se o discernimento: “Observe o caminho realizado e reflita as dificuldades superadas, em conjunta companhia, sem precisar parar ante os obstáculos!” Ela, ao responder, sorri: “É verdade e, agora, já não guardo medo!” Após breve intervalo, seguiu-se à Capital com outra pessoa ao volante e a viagem findou-se no encontro com as demais pessoas reunidas para a atividade de avaliação e planejamento da Pastoral da Juventude do Rio Grande do Sul.

A Teologia reflete a ação pedagógico pastoral de Jesus que, diuturnamente, participava da vida comunitária e, no caminhar junto às pessoas, transformava suas realidades, justa e solidariamente, envolvendo-as no processo humanizado de libertação que, subsequentemente, desperta à missão, ao testemunho, com ardor no coração (Lc 24,13-35). Portanto, a compreensão da realidade da pessoa consciente e comprometida, à luz do Evangelho, jamais será absoluta e, menos ainda, neutra! Por quê? A experiência do bem viver socioeclesial é dinâmica e, neste sentido, o contexto é inesgotável à reflexão e ao agir. São memórias singelas e significativas à experiência de acompanhamento e assessoria juvenil. Haverá, diga-se, no percurso da vida socioeclesial, político econômica e cultural, inúmeras situações complexas a enfrentar e superar. Na dúvida, se brotar insegurança e desejo de desistir, recorde: “Continue um pouco mais!”

 

Padre Leandro de Mello – @padreleojuventude. Passo Fundo, 25 10 2022.

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