Examinem tudo e fiquem com o que é bom (1Ts 5,21).
Estamos a alguns dias do segundo turno das eleições na esfera federal e estadual. Ocorrido o primeiro turno em 02 de outubro nenhum candidato obteve maioria absoluta aqui no estado e no país. Restou uma segunda rodada para um maior discernimento e escolha entre os dois candidatos mais votados no Brasil e no Estado do Rio Grande do Sul. Sempre se lembra que a democracia não se reduz ao ato de votar. Contudo este direito é importante nos regimes democráticos. O voto é o instrumento por excelência de participação na vida democrática e esta compreensão tem se sustentado nos diferentes países apesar das contradições e ataques.
A Igreja Católica tem uma posição consolidada sobre o tema como afirma o Compêndio de Doutrina Social no número 406: a Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos.
Também assinala no mesmo parágrafo as condições para a existência da democracia: uma autêntica democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana. Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da subjetividade da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e corresponsabilidade.
Estamos vivendo esta oportunidade e responsabilidade graças a um regime democrático que tem se consolidado. As eleições no próximo domingo darão a oportunidade de avançar nessa consolidação, tendo em vista o bem comum que é o objetivo do agir político.
Nestes dias finais de campanha é importante exercitarmos a capacidade de discernimento. Infelizmente a campanha tem sido marcada por atitudes equivocadas até mesmo de cristãos. Certamente fica mais difícil distinguir o joio do trigo em meio à enxurrada de informações que recebemos diariamente pelas redes sociais, muito delas com grande teor de falsidade. Algumas mentiras sobre este ou aquele candidato são “vendidas” como verdade. Causa preocupação a violência impetrada por palavras e ações. Diante do cenário apresentado um primeiro passo, e muito importante, é o discernimento. Ajuda muito a observação atenta às práticas dos grupos envolvidos.
Pergunta-se se são práticas comprometidas com a verdade e com o bem comum e se têm considerado o direito ao contraditório, ao pensar diferente, com respeito e alteridade. Os meios utilizados para o êxito no pleito dizem um pouco da leitura que se tem da democracia e de como se compreende o bem comum. A ação violenta em nome de uma causa tira toda a autoridade de defender uma causa, porque ela se torna menor diante da violência e do desrespeito ao outro, que pensa diferente. Ninguém tem o direito de interferir na liberdade de pensamento e ação do outro. Da mesma forma o assédio eleitoral é uma injustiça diante do pleito e um desrespeito ao direito da pessoa escolher livremente seus representantes, neste caso ao poder executivo federal e estadual. Neste caminho busquemos a iluminação das palavras do apóstolo Paulo: cingi os vossos rins com a verdade, revesti-vos com a couraça da justiça e calçai os vossos pés com a prontidão em anunciar o Evangelho da paz. Tomai o escudo da fé, o qual vos permitirá apagar todas as flechas ardentes do maligno (Ef 6,14-15).
O segundo passo dar-se-á no dia das eleições, segundo o princípio de que o voto é livre e soberano; um direito a ser exercido sem nenhuma coação externa. Neste caso a cabine da urna eletrônica é colocada ao lado da consciência do eleitor como instância inviolável. O ato de votar convida a olhar para o bem comum, que segundo a Doutrina Social da Igreja, é o conjunto das condições concretas que permitem a todos os membros e uma comunidade atingir um nível de vida à altura da dignidade da pessoa humana. É um exercício muito significativo que acontece em plena sintonia com o projeto evangélico, porque convida a pensar no bem de todos e não no bem pessoal ou de um pequeno grupo. Privilégios pessoais e grupais não estão em consonância com o bem comum. Seguimos o conselho do apóstolo das missões: examinem tudo e fiquem com o que é bom. Estejam longe de qualquer tipo de mal (1Ts 5,21)
A eleição convida também a olhar para o Brasil, um país múltiplo e diverso, extremamente rico, mas que vem de uma longa tradição de desigualdade e injustiça social. A superação dessa grande limitação, sustentadora da pobreza e da miséria dar-se-á através da ação de todos os cidadãos pensando no bem comum, mas que se fortalece a partir de governos sensíveis à questão social. E cabe lembrar de forma incisiva que a preocupação com o outro pobre, miserável e fragilizado não é ideologia. É uma ação intrínseca à fé cristã (Papa Emérito Bento XVI)
O pleito eleitoral passará. Teremos a posse dos governantes eleitos democraticamente no início do próximo ano. Que não fiquem ressentimentos, rancores ou ódio enraizados. Olhemos para o futuro lembrando das nossas responsabilidades cidadãs, sobretudo o acompanhamento sóbrio e consciente dos que escolhemos para representar. Essa atitude também faz parte da democracia.