Se, no construto da vida, cada pessoa é chamada a projetar-se, a lançar-se para frente, sem esquecer ou cortar raízes, para que, em boa companhia, trabalhe sua autonomia cidadã e cristã, ter-se-á que propiciar, neste peregrinar, mecanismos que respondam aos objetivos almejados, inseridos ao seu planejamento, ao projeto de vida que, pela experiência socioeclesial, político econômica e cultural, dialoguem com outras pessoas, seus contextos e realidades.
A raiz nutre à vida e a âncora corrobora à imobilidade ou à flexibilidade ante situações adversas. A saber, se a raiz trabalha para alimentar a planta, propiciando que a seiva conduza nutrientes às folhas, galhos e frutos, também fixa-lhe ao chão impossibilitando-lhe de morrer, a menos que seja arrancada. Em contrapartida, a âncora, enquanto dispositivo arquitetado pela criatividade humana, permite conectar uma embarcação ao leito de um corpo d’água, evitando que esta desvie-se e/ou encontre-se à deriva sob ação do vento ou correnteza.
Âncoras, permanentes ou temporárias, são mecanismos planejados com habilidade para propiciar que embarcações, pequenas ou grandes, exerçam sua finalidade, sabendo-se haver itens úteis ao seu pleno navegar ou ancorar com segurança. Navios marítimos, por exemplo, comportam âncoras com métricas e pesos variados, muitas vezes, utilizadas sem contato com o fundo do mar, pois, têm funções específicas, seja para minimizar a deriva em relação à água – àquela âncora flutuante, responsável pela desaceleração –, seja para conduzir a embarcação à ultrapassar uma barra em mar revolto.
A experiência de alteridade humana com a natureza e o transcendente traduz-se de inúmeras maneiras, dentre as quais estão diversos e significativos símbolos. Os primeiros cristãos(ãs), nominados seguidores(as) do caminho, devido a árdua perseguição imposta pelos romanos, muniram-se da âncora, em determinado período, não para substituir, mas como sinal que remetesse à cruz, driblando a rudeza de possíveis algozes. Subsequentemente, na história salvífica cristã, atribui-se à Igreja, simbolicamente, a barca. De forma ampla, então, a figura âncora indicando abrigo, segurança, proteção na realidade complexa da comensalidade político social, remetia aos olhos da fé, contudo, às raízes da espiritualidade cristã, fundamentada na experiência do encontro com Cristo.
A narrativa bíblica neotestamentária, ademais, ao propor o episódio de Emaús (Lc 24,13-35), belo e inspirador ícone ao tempo contemporâneo, faz memória à experiência transpassada na vivência da comunidade de discípulos(as) de Jesus. Desalentadas e pesarosas peregrinavam àquelas pessoas impactadas pelos acontecimentos da paixão e morte de seu Mestre, Jesus. Aos olhares, marejados por tamanha dor, tornava-se difícil vislumbrar alternativas à reorganização de seus projetos de vida e missão. Vêm-lhes, a priori, como solução, ante a cena do aparente fracasso da cruz, regressar forçosamente à Emaús. Ora, a caminhada, o diálogo, o revisitar as Escrituras, o expressar angústias, medos e frustações, assim, fez-lhes ancorar e discernir acerca da essência que nutre o sentido e a mística da vida. Ao redor da mesa, na partilha, reconhecem-se na presença do ressuscitado, o coração arde e a seiva missionária refloresce-lhes ao apostolado.
Bem recorda-nos a V Conferência Episcopal Latino-americana, em Aparecida (2007), ao expressar que “conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher” (DAp, n. 18). O 3º Ano Vocacional do Brasil, outrossim, munido pelo símbolo do coração flamejante transpassado pela cruz e pés a caminho, diz pelo texto-base que “Jesus Cristo oferece a todos, pelo Espírito Santo, luz e força que fazem arder os corações para que a humanidade viva com generosidade e possa ‘responder à sua suprema vocação’ (GS, n.10). [...] Esse processo de discernimento exige que a Igreja caminhe junto com cada um daqueles que realizam esse processo, assim como Jesus o fez no caminho de Emaús” (AV, n.28).
A simbologia deste 3º Ano Vocacional Brasileiro, portanto, somada aos expressivos ícones e sinais consolidados pela historicidade cristã exortam à “vocação: graça e missão” com “corações ardentes, pés a caminho” (Lc 24,32-33), pois, faz refletir outra vez que “a esperança é como âncora firme e segura de nossa vida. Ela penetra até o outro lado da cortina do Santuário, onde Jesus entrou por nós, como precursor, nomeado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem do sacerdócio de Melquisedec” (Hb 6,19-20). Neste caminhar missionário, à luz do Evangelho, Jesus Cristo compõe a centralidade, as raízes do projeto de vida, que faz fulgurar o coração, em sensibilidade e compaixão, para que a decisão de responder, planejar e sair a trilhar um itinerário de oportunidades, apesar das chagas/desafios de nossos “pés a caminho”, conte, sempre ancorada à fortaleza, dinamismo, impulso e envio, com a graça do Espírito Santo.
Padre Leandro de Mello – @padreleojuventude. Passo Fundo, 22 11 2022.