Estamos nos últimos dias do ano de 2022. Certamente nos encontraremos com familiares e amigos e trocaremos votos de um bom ano com as melhores intenções. Isto faz bem para todos. A passagem de ano é também a passagem de ciclo. Encerramos um ciclo e iniciamos outro. O calendário escolar e universitário, a vida empresarial e outras instituições se guiam por este princípio que ajuda a demarcar etapas na vida.
Antes de colocarmos o pé no tempo novo que se inicia, é importante correr os olhos, a mente e o coração para o tempo que finda. A vida não é uma sucessão de etapas, pelas quais passamos sem que nada nos atinja e as deixemos para trás como se nada de importante tivesse acontecido. O que somos hoje é fruto desta passagem pelo tempo e pelos fatos da vida que deixaram marcas.
O voltar-se para o ano que chega ao final, para esse tempo vivido, poderá ajudar a fazermos uma boa travessia no próximo ano pelos aprendizados que acumulamos. Todo o aprendizado, assimilado de coração aberto e boa vontade, ajuda a pessoa ser melhor. Exige mergulharmos de forma crítica nos processos vivenciados, dando-nos conta do que foi acerto na vida pessoal, profissional, nas relações, espiritualidade e outras dimensões significativas.
É um ato de coragem, porque existem situações que, quando abordadas, trazem algum desconforto e talvez algumas dores. Todavia, é necessário esse mergulho. Cabe a coragem de reconhecer os erros e quem sabe até alguns pedidos de perdão. Não aqueles vazios de sentido, feitos da boca para fora e sem raiz no coração. O pedido de perdão para ter sentido, deve estar mergulhado antes na alma e permitir que dali brote reconhecimento do erro. Não é fácil, mas é necessário. Este ano foi marcado por acirramentos, posicionamentos irredutíveis, palavras pesadas, ofensas. Algumas marcas ficaram. Certamente existe muito a perdoar e muito a pedir perdão. Ajuda a inspiração do Papa Francisco: o perdão livre e sincero é uma grandeza que reflete imensidão do perdão divino. Se o perdão é gratuito, então pode-se perdoar até a quem tem dificuldade de se arrepender e é incapaz de pedir perdão (FT 250).
Não deixemos também de vibrar com as coisas boas e bonitas que aconteceram na vida. Muitas foram frutos de grande esforço e trabalho. O reconhecimento pessoal leva ao reconhecimento daqueles que nos ajudaram, que estenderam a mão. Sem dúvida reconhecer que também é dom e graça de Deus. Humildemente expressar: por tudo demos graças a Deus.
No ano, em fase final, algumas pessoas entraram em nossas vidas como aquele peregrino que se pôs como companheiro de caminhada dos discípulos que iam para a cidade de Emaús um tanto desanimados (Lc 24,13). Reconheçamos o bem que estas pessoas nos fizeram e relevemos os deslizes eventualmente cometidos. Aqueles que nos fizeram o bem levemos para a travessia do próximo ano, porque a troca de dons será favorável para todos. Uma boa caminhada se faz bem acompanhado.
Como será o próximo ano? Como será o amanhã, cantava Simone. Não sabemos. Não temos todas as certezas. Temos alguns indicativos. Comecemos o ano de cabeça erguida perscrutando o horizonte a ser percorrido com os olhos da esperança e jamais com o medo e insegurança. É uma atitude muito importante. A copa do mundo, apesar das tantas limitações, deixou uma lição. Nenhuma equipe começou a partida derrotada. Saíram vitoriosos os que, entre outras coisas, acreditaram no seu potencial. Saibamos fazer do limão, aparentemente azedo, uma boa limonada.
É importante colocarmos na bagagem para a travessia de 2023 uma boa dose de tolerância. Significa aprender a conviver com o diferente e buscar aprender com a leitura de mundo diferenciada. A tolerância, se bem administrada, não pesará na bagagem. A tolerância será fortalecida pela capacidade de escuta e diálogo, também itens essenciais. Nisso ajudam as palavras do Apóstolo Paulo: nenhuma palavra perniciosa deverá sair da sua boca, mas sim a palavra que constrói e aproxima (cf. Ef 4, 29) Usemos a palavra e a capacidade de escuta para criar pontes e não muros.
Procuremos fazer a travessia de braços abertos como quem realmente está em uma longa caminhada. Serão úteis para erguer os caídos (Lc 10, 34); para dar água para os sedentos, segundo o pedido do Papa que sejamos pessoas cântaro (EG 86); para alimentar os famintos (Mt 14,16) sem deixar de questionar as causas da fome; para animar os tristes e desesperançados; para ungir os doentes com o óleo da misericórdia e da solidariedade, pois não podemos ser indiferentes à dor alheia (MV 15). Mas também para abraçar e confraternizar, agradecendo as coisas boas da vida (Col 3,17). Usaremos os braços também para escorarmo-nos nos outros quando necessitados, para estender a mão e pedir, porque ninguém é autossuficiente, para elevarmos aos céus e rezar, porque acreditamos na força de Deus atuando em nossas vidas. Usaremos nossos braços para comunicar amor e ternura para que a travessia não seja demasiadamente árida.
Certamente necessitaremos fazer escolhas e opções. Algumas acontecerão em condições difíceis. Tenhamos como critérios nessas escolhas os compromissos herdados da fé cristã. Paulo nos ajuda: não desprezem as profecias. Examinem tudo e fiquem com o que é bom. Estejam longe de qualquer tipo de mal (1Ts 5,20-22).
Na travessia não corramos o risco de nos abster da força de Deus. Precisamos dele. Ele nos faz tão bem.
Pe. Ari Antonio dos Reis