Domar os monstros, não as crianças e adolescentes

Postado por: Nei Alberto Pies

Compartilhe


 

Pablo Morenno, editor e escritor, faz uma reflexão muito interessante sobre a complexidade que envolve a violência na sociedade e nas escolas. As diversas formas de violência tem motivações multifatoriais que, se não forem bem entendidas, continuarão desafiando as autoridades e impondo insegurança e apreensão nos ambientes escolares, nos lares, em grandes eventos e nas ruas deste país. Ele lembra que “nos Estados Unidos, onde as escolas são as mais vigiadas do mundo, e há pena de morte em alguns estados, os ataques em massa continuam sendo os maiores do mundo. Faz bem aprender com erros dos outros”.

Esta sua publicação foi, originalmente, publicada no site www.neipies.com Conheça agora estas suas reflexões.

 

Afeto não fere

“Ninguém acolhe os meninos e meninas tristes, frustrados, com ódio no coração. Crianças e adolescentes que passam o dia na internet, sentem-se sozinhos, e a mãe e o pai não sabem onde eles andam. O corpo está ali no quarto. Mas o coração e a mente está muito longe, na web, em algum lugar onde alguém o acolhe, alguém o compreende, alguém lhe dá atenção e o torna importante.

Já temos crianças e adolescentes envolvidos pelo tráfico, lugar onde se tornam importantes e valorizados. Nem as famílias, nem as escolas, abrem-se para ouvir. Famílias e escolas ditam regras, ordens, punem, disciplinam, mas não acolhem, não dão afeto, não compreendem, não possibilitam a fala, o diálogo.

Assassinatos nas escolas são sintomas, ao meu ver, de três causas: uma sociedade que depreciou a escola e os professores, discursos de violência e falta de acolhimento dos adultos às crianças e adolescentes sem rumos. Detenho-me nessa última que, me parece, poderia minimizar as outras. Parece.

Logo vem as soluções simples e erradas: subir os muros das escolas, colocar policiais armados, revistar mochilas e sacolas. Não se resolve o problema das doenças fechando os hospitais. Não se resolve um incêndio escondendo a fumaça. Não se para um vulcão tapando sua cratera. Não se extirpará a violência, com a simples aplicação das leis penais às crianças e adolescentes que cometem erros, ou criando penas mais duras.

Como formiguinhas que saem de um grande formigueiro, prender uma, sairá outra, e depois outra… E o jardineiro senta-se debaixo da árvore matando cada formiguinha que sobe para cortar folhas. Como evitar as doenças? Como prevenir incêndios? Como saber onde, no fundo da terra, os vulcões começam a se formar? Onde moram e se reproduzem as formigas? Como criar crianças amorosas e empáticas?

O poder transfigurador da arte há muito vem sendo experimentado na psiquiatria, e também em favelas e em comunidades com problemas de violência e marginalização.

Ao contrário da religião e da política, que acirram diferenças e divisões de todas as espécies, a arte consegue, pela sensibilização profunda do espírito, enredar as pessoas em seus sonhos mais profundos, embora nem sempre conhecidos.

A arte, que não possui utilidade prática, tem uma mágica que aflora e purifica afetos, sentimentos, sonhos, medos. A arte – cinema ou literatura, pintura ou música, escultura ou dança –, ao mexer com o imaginário, pode tornar homens e mulheres de um grupo, cúmplices de seus projetos mais íntimos.

Crianças e adolescentes têm direito a serem ouvidos, a terem afeto e amor, a serem acolhidos em seus medos e horrores, em suas dores e seus ódios.

Cabe ao estado, em todas as suas expressões, criar espaços para a expressão das emoções, para a sublimação do ódio, para que crianças, adolescentes e jovens sejam ouvidos e não tornem suas dores e frustrações anteriores em atos violentos.

Falar, dizer, contar, é o modo mais simples de se evitar que violências contidas aflorem em facas, revólveres, e outros tipos de vingança. Recordo Yolanda Reyes em seu livro “A Casa Imaginária: leitura e literatura na primeira infância”: que a arte permite à criança, pela arte, como a literatura, exteriorizar seus monstros interiores, para que sejam domados.

Crianças e adolescentes não precisam ser domados. Seus monstros, sim. Com afeto, escuta, empatia e um ambiente amoroso.

Nos Estados Unidos, onde as escolas são as mais vigiadas do mundo, e há pena de morte em alguns estados, os ataques em massa continuam sendo os maiores do mundo. Faz bem aprender com erros dos outros.

Autor: Pablo Morenno

FONTE: https://www.neipies.com/afeto-nao-fere/

 

Leia Também Vigiai e esperai! Como vencer Professora Emérita 2023 Passo Fundo Dezembro se aproxima