Repercutimos, nesta coluna, uma reflexão instigante de Pablo Morenno, conhecido escritor de nossa cidade, que traz reflexões sobre violência nas escolas e na sociedade tendo como antídoto a vivência da arte. Como descreve nesta crônica, “crianças e adolescentes não precisam ser domados. Seus monstros, sim. Com afeto, escuta, empatia e um ambiente amoroso”.
Esta reflexão está publicada no site www.neipies.com
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“Ninguém acolhe os meninos e meninas tristes, frustrados, com ódio no coração. Crianças e adolescentes que passam o dia na internet, sentem-se sozinhos, e a mãe e o pai não sabem onde eles andam. O corpo está ali no quarto. Mas o coração e a mente está muito longe, na web, em algum lugar onde alguém o acolhe, alguém o compreende, alguém lhe dá atenção e o torna importante.
Já temos crianças e adolescentes envolvidos pelo tráfico, lugar onde se tornam importantes e valorizados. Nem as famílias, nem as escolas, abrem-se para ouvir. Famílias e escolas ditam regras, ordens, punem, disciplinam, mas não acolhem, não dão afeto, não compreendem, não possibilitam a fala, o diálogo.
Assassinatos nas escolas são sintomas, ao meu ver, de três causas: uma sociedade que depreciou a escola e os professores, discursos de violência e falta de acolhimento dos adultos às crianças e adolescentes sem rumos. Detenho-me nessa última que, me parece, poderia minimizar as outras. Parece.
Logo vem as soluções simples e erradas: subir os muros das escolas, colocar policiais armados, revistar mochilas e sacolas. Não se resolve o problema das doenças fechando os hospitais. Não se resolve um incêndio escondendo a fumaça. Não se para um vulcão tapando sua cratera. Não se extirpará a violência, com a simples aplicação das leis penais às crianças e adolescentes que cometem erros, ou criando penas mais duras.
Como formiguinhas que saem de um grande formigueiro, prender uma, sairá outra, e depois outra… E o jardineiro senta-se debaixo da árvore matando cada formiguinha que sobe para cortar folhas. Como evitar as doenças? Como prevenir incêndios? Como saber onde, no fundo da terra, os vulcões começam a se formar? Onde moram e se reproduzem as formigas? Como criar crianças amorosas e empáticas?
O poder transfigurador da arte há muito vem sendo experimentado na psiquiatria, e também em favelas e em comunidades com problemas de violência e marginalização.
Ao contrário da religião e da política, que acirram diferenças e divisões de todas as espécies, a arte consegue, pela sensibilização profunda do espírito, enredar as pessoas em seus sonhos mais profundos, embora nem sempre conhecidos.
A arte, que não possui utilidade prática, tem uma mágica que aflora e purifica afetos, sentimentos, sonhos, medos. A arte – cinema ou literatura, pintura ou música, escultura ou dança –, ao mexer com o imaginário, pode tornar homens e mulheres de um grupo, cúmplices de seus projetos mais íntimos.
Crianças e adolescentes têm direito a serem ouvidos, a terem afeto e amor, a serem acolhidos em seus medos e horrores, em suas dores e seus ódios.
Cabe ao estado, em todas as suas expressões, criar espaços para a expressão das emoções, para a sublimação do ódio, para que crianças, adolescentes e jovens sejam ouvidos e não tornem suas dores e frustrações anteriores em atos violentos.
Falar, dizer, contar, é o modo mais simples de se evitar que violências contidas aflorem em facas, revólveres, e outros tipos de vingança. Recordo Yolanda Reyes em seu livro “A Casa Imaginária: leitura e literatura na primeira infância”: que a arte permite à criança, pela arte, como a literatura, exteriorizar seus monstros interiores, para que sejam domados.
Crianças e adolescentes não precisam ser domados. Seus monstros, sim. Com afeto, escuta, empatia e um ambiente amoroso.
Nos Estados Unidos, onde as escolas são as mais vigiadas do mundo, e há pena de morte em alguns estados, os ataques em massa continuam sendo os maiores do mundo. Faz bem aprender com erros dos outros”.
Autor: Pablo Morenno
FONTE: https://www.neipies.com/afeto-nao-fere/