Desde de 1971 a Igreja no Brasil tem proposto o mês de setembro como um período especial para refletir a importância da Sagrada Escritura na condução da vida de fé pessoal e da ação evangelizadora da Igreja.
No que diz respeito à vida de fé de cada, cristão recorda-se a memória da carta de Paulo ao jovem Timóteo que diz: “desde a infância você conhece as Sagradas Escrituras; elas têm o poder de comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra” (2 Tm 314-17).
Para que isso aconteça faz-se necessário algumas atitudes diante da Palavra de Deus. A primeira delas é a proximidade com a Palavra. Por muito tempo os cristãos se mantiveram distantes do Texto Sagrado, uma distância que não foi benéfica. A proximidade convida à disponibilidade de escutar esta Palavra. Herdamos da tradição judaica esta bonita atitude diante de Deus: escutar antes que de qualquer movimento. O cristão é alguém que busca escutar Deus. Escutamos Deus através da Sagrada Escritura.
A celebração Eucarística ritualiza este gesto como comunidade celebrante de uma forma muito significativa, quando se motiva a escutar atentamente o que Deus está falando através dos Textos Sagrados, especialmente o Evangelho. A escuta da Palavra provoca a prática do que ela sugere, como afirma Tiago: “sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vos mesmos” (Tg 1,22). A prática da Palavra aproxima a pessoa do Criador e nossos seus irmãos e irmãs. É o caminho de conversão a partir da Sagrada Escritura.
No que diz respeito à missão da Igreja a Constituição Conciliar Dei Verbum, no capítulo VI, assegura a necessidade da Igreja deixar-se guiar na missão evangelizadora pela Sagrada Escritura, princípio que foi reiterado em muitos outros textos, especialmente pela Exortação Verbum Domini (2010). O parágrafo 25 da Constituição Dei Verbum afirma: “compete aos sagrados pastores depositários da doutrina apostólica ensinar oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso reto dos livros divinos, de modo particular do Novo Testamento, e sobretudo dos Evangelhos. E isto por meio de traduções dos textos sagrados, que devem ser acompanhadas das explicações necessárias e verdadeiramente suficientes, para que os filhos da Igreja se familiarizem dum modo seguro e. útil com a Sagrada Escritura, e se penetrem do seu espírito” (DV 25).
Assim como cada cristão, cabe à Igreja, instituição que existe para evangelizar, escutar atentamente a Palavra de Deus. É a atitude necessária para ser fiel a missão designada por Jesus Cristo. Caso a Igreja não escutar a Palavra corre o risco de afastar-se do que Jesus pediu, mantido arduamente pelos primeiros cristãos, tornando-se tradição eclesial. A escuta provoca a fidelidade. A expressão fidelidade se origina do latim fidelitas, que gera o conceito fidelis que significa “fiel” e está ligado a fides, que significa “fé, boa-fé, integridade”. Fidelidade implica em ser fiel ao que Palavra está dizendo e pedindo à Igreja. De uma forma mais profunda está a exigência de uma boa exegese e hermenêutica para que se evite interpretações equivocadas do Texto Sagrado. Mas também é importante ajudar a comunidade compreender a Palavra nos contextos em que se vive sem perder o vínculo.
A escuta e fidelidade convida ao anúncio. O apóstolo Paulo, em vários momentos da sua missão assegura a necessidade de anunciar o Evangelho. Na carta à comunidade de Corinto ele afirma que anunciar o Evangelho não é título de glória; é uma necessidade imposta; e arremata: ai de mim se não anunciar o Evangelho (1 Cor 9,16). É também necessidade para a Igreja. Ela existe para evangelizar, para anunciar a boa-nova de Jesus Cristo. Este anúncio se volta para toda a humanidade em vista da sua transformação em comunhão com a Trindade Santa: “O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho, Jesus Cristo” (1Jo,1,3), ou seja, é um anúncio que transforma a vida da pessoa na sua totalidade.
Outro compromisso importante da Igreja é o ensino da Palavra. Paulo, ao escrever a Timóteo, falava do conhecimento das Sagradas Escrituras na estruturação da vida de fé. É necessário aos cristãos e é compromisso da Igreja, mãe e mestra, facilitar este processo. É tarefa da Igreja permitir o conhecimento profundo das Sagradas Escrituras. A Constituição Dei Verbum assinala, e retomamos: “cabe ensinar oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso reto dos livros divinos, de modo particular do Novo Testamento, e sobretudo dos Evangelhos” (cf. DV 25). A Exortação Verbum Domini insiste na formação bíblica dos cristãos aproveitando-se os diversos momentos eclesiais para que possam compreender, viver e anunciar a Palavra de Deus (cf. VD 75). O Ensino passa pela pastoral ordinária, iniciação à vida cristã, catequese permanente, homilias bem preparadas, cursos bíblicos e outros tantos momentos eclesiais que devem estar fundados na Palavra de Deus.
É importante fazer grande esforço para que a Palavra de Deus tenha verdadeiramente lugar central na vida da Igreja, a partir da implementação de uma pastoral bíblica que, por sua vez, anima a pastoral inteira (cf. VD 73). Para a Igreja Palavra de Deus não é um apêndice da pastoral, mas fonte e alma de toda a ação evangelizadora. Fonte é o lugar onde se abastece para continuar a missão em fidelidade a Jesus. A Palavra de Deus é uma fonte inesgotável. Sempre terá algo novo para os cristãos. É alma também. A expressão alma vem do termo latino deriva animu (anima), que significa “o que anima”. Logo ela anima a ação pastoral eclesial para que não esmoreça diante dos desafios de cada tempo. Permitirá que a Igreja continue avançando escutando, deixando-se guiar, anunciando e testemunhando o evangelho de Jesus Cristo.
A Palavra de Deus está no centro da vida de fé pessoal e da ação pastoral da comunidade eclesial. Possamos continuamente nos abastecer desta grande riqueza.
Pe. Ari Antonio dos Reis