Cobrir uma tragédia nunca é simples. A gente aprende a lidar com a dor dos outros sem deixar que ela transborde em nós. Mas nem sempre funciona. Há momentos em que o repórter precisa parar, respirar e aceitar que o profissional não consegue proteger o ser humano.
Estação, no norte do Rio Grande do Sul, parou no tempo depois da última terça-feira. Mas quem esteve lá, quem pisou no chão da escola, sabe que alguma coisa também parou dentro da gente. E talvez não volte ao lugar.
O que aconteceu naquela sala de aula não cabe nas palavras. Não há explicação possível para tanta crueldade. Não tem justificativa. Não tem lógica. Não tem como entender o que leva alguém a entrar em uma escola com uma faca e atacar crianças.
Era para ser um dia comum. Era para ter chamada, caderno, lápis de cor. Mas teve grito. Teve sangue. Teve despedida.
O sangue manchou o chão de quem talvez nem entende direito o que aconteceu. O armário marcado pelo vermelho da dor conta a história que nunca deveria ter acontecido.
E essas manchas não saem com água e pano. Não tem como voltar ao normal, pois o normal nunca mais vai existir. Tem marcas invisíveis que vão morar para sempre naquele lugar.
A sala de aula nunca mais será a mesma. Ali, onde se ensinava a viver, se aprendeu a lição mais dura sobre a dor e a morte.
Como repórter, eu tentei seguir. Microfone em mãos, texto na cabeça. Mas como seguir quando o peito trava? Quando o ar falta? Quando o olhar de uma mãe te desmonta sem dizer uma palavra?
Como ser só o profissional quando a criança que morreu tem quase a idade da minha filha? Quando o desespero de quem ficou te atravessa de um jeito que nenhuma técnica consegue blindar?
A verdade é que não dá. A gente tenta, mas não dá. O pai, o filho, o ser humano sempre fala mais alto. E talvez precise mesmo falar.
Porque comunicar em meio à tragédia não é apenas relatar fatos. É estar lá, inteiro. É ouvir o que ninguém gostaria de ouvir, ver o que ninguém queria ver, e voltar para casa com um peso que não se deixa na redação. É passar duas noites em claro, remoendo cada detalhe, e descobrir que até escrever tudo isso aqui dói.
A dor da família de Vítor não é só uma dor individual. É uma dor coletiva. É o tipo de luto que não se vive em silêncio. É o tipo de perda que não se entende nem com o tempo.
Vítor André Kungel Gambirazi tinha 9 anos. Um menino que, segundo a família, era meigo, amoroso, cheio de vida. Um filho amado. Um sobrinho presente. Um aluno querido. Uma criança que tinha tudo para ser tudo o que quisesse ser.
Não importa quantas reportagens eu faça, quantos boletins seu vá publicar. A ferida está aberta. E não vai fechar.
Talvez tudo o que reste seja continuar contando essas histórias com o coração aberto. Continuar ouvindo. Continuar respeitando. Continuar denunciando. Mesmo quando a voz venha a falhar.
Porque a função do repórter não é apenas registrar o que aconteceu. É dar sentido ao que parece absurdo. É transformar o sofrimento em memória. E a memória em busca de justiça.
Difícil, mas necessário.
Sentimentos à família do Vítor. Toda solidariedade, todo respeito, e todo amor de quem também está tentando entender.