A relação entre o gaúcho e o cavalo vai muito além da lida campeira. Desde os primórdios da ocupação do Sul do Brasil, o cavalo foi figura central na economia, nas guerras de fronteiras e no imaginário cultural. Registros históricos mostram que, ainda no século XVIII, tropas e tropeiros cruzavam o país com a ajuda desses animais, que serviam não apenas como transporte, mas como ferramentas essenciais de trabalho e comunicação.
Segundo um viajante que percorreu o Rio Grande de São Pedro entre 1818 e 1827, o cavalo se tornou “companheiro constante” do homem sulino. Era usado para ir à missa, ao bolicho, conduzir crianças à escola, acompanhar enterros e até mesmo em momentos festivos como fandangos e casamentos. Em cidades como Itaqui, era comum o uso de parelhas de cavalos em carros de aluguel, os “táxis” da época.
Na zona rural, sua importância é ainda mais marcante. O cavalo é essencial na lida campeira: para parar rodeio, marcar e castrar o gado, fazer a ronda noturna e percorrer grandes extensões de campo. Os petiços e matungos, por exemplo, têm funções específicas, como puxar a zorra ou o sarrilho do poço. Crianças aprendem a montar cedo, aos sete anos já “recebem vaca”, e aos quatorze participam ativamente das tarefas da estância.
Além disso, o cavalo é protagonista em expressões culturais como as cavalhadas e as festas do Divino, onde exerce uma função simbólica, ligada à fé e à tradição.
Outro aspecto curioso é a classificação das pelagens. No Sul, o vocabulário popular descreve com minúcia a cor e o tipo de pelo de cada cavalo. Termos como tordilho-negro, rosilho, baio, zaino, pangaré, tobiano, entre dezenas de outros, não apenas nomeiam, mas identificam padrões visuais distintos que ajudam no reconhecimento e na estima pelo animal.
O tordilho, por exemplo, é branco salpicado de pelos escuros e pode ter variações como tordilho-claro ou tordilho-salino. O rosilho tem pelos vermelhos e brancos misturados, resultando num tom rosado. Já o zaino-requeimado é um castanho escuro tão intenso que chega a parecer “preto russo”.
Essas denominações carregam significados afetivos, funcionais e até simbólicos. Em certas regiões, acredita-se que algumas cores de pelagem indicam resistência, bravura ou docilidade. Há também classificações visuais como oveiro, que descreve animais com manchas paralelas e simétricas.
Assim, o cavalo no Rio Grande do Sul é muito mais que um meio de locomoção: é um símbolo de identidade, um instrumento de trabalho, um companheiro de vida. E, como tal, permanece enraizado no modo de ser e viver do povo gaúcho.
Esta matéria foi feita com informações tiradas do livro “O Cavalo no Folclore do Rio Grande do Sul” de Lilian Argentina Braga Marques publicado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).