“Grandes multidões acompanham Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: Se alguém vem a mim, mas não se desapega […] não pode ser meu discípulo” (Sabedoria 9, 13-18, Salmo 89, Filêmon 1, 9-17, Lucas 14,25-33). Jesus deseja que todas as pessoas que compõem as grandes multidões se tornem discípulas. O discipulado é uma escolha livre e consciente que exige uma atenta e série reflexão. Este esclarecimento Jesus faz através de duas parábolas. Quando alguém projeta construir uma torre precisa calcular antes os gastos para discernir se tem condições financeiras. A segunda parábola é inspirada em ambiente de guerra. As parábolas orientam que a decisão de se tornarem discípulos requer maturidade e seriedade, perseverança e fadiga, inteligência e planejamento. Motivações superficiais e decisões impetuosas tomadas em meio a emoções fortes ofuscam a inteligência e a liberdade. A opção pelo seguimento de Cristo envolve todas as dimensões humanas, pois é um amor total por Cristo e exige uma plena liberdade interior.
São duras as exigências do discipulado que Jesus propõe, porém sem elas se tem apenas um discípulo falso. “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo. […] portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”. O livro da Sabedoria sublinha que sabedoria nos faz ver e compreender a verdadeira estrada e os autênticos valores que conduzem à vida. O Evangelho acentua a necessidade de tomar a grande decisão pelo Reino de Deus, mas deve ser feito com inteligência, vontade e liberdade. Desculpas, atenuações, meias medidas, superficialidades rompem as relações com Jesus Cristo e fazem do seguimento algo aparente ou uma escravidão.
Na Carta de São Paulo a Filêmon se apresenta uma situação concreta onde é coloca à prova o discípulo Filêmon. Paulo estava na prisão, “por causa do Evangelho”. Nesta época, a comunidade cristã de Colossas se reunia na casa de Filêmon. Um escravo dele, chamado Onésimo, fugiu para junto de Paulo, na prisão. Pela pregação de Paulo, Onésimo recebe o batismo.
Paulo escreve uma breve a Carta a Filêmon orientando como deveria receber Onésimo. Uma carta escrita com o “coração” e de “próprio punho”. Escreve: “Eu, Paulo, velho como estou e agora também prisioneiro de Cristo Jesus, faço-te um pedido em favor do meu filho que fiz nascer para Cristo na prisão, Onésimo. Eu o estou mandando de volta para ti. Ele é como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de tê-lo comigo, a fim de que fosse teu representante para cuidar de mim nesta prisão, que eu devo ao evangelho. Mas, eu não quis fazer nada sem o teu parecer, para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea. Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor. Assim, se estás me comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo”.
Paulo argumenta que deve acontecer uma profunda mudança na vida de Filêmon em relação à Onésimo. Deve recebê-lo como “pessoa humana e como irmão no Senhor”. Isto é, se a legislação jurídico social permitia ter escravos e serem punidos, inclusive com pena de morte diante de infrações, não deveria aplicar a lei civil a Onésimo. Em segundo lugar, o cristão Filêmon deve tratar todas as pessoas como irmãos. Se a lei civil permite ter escravos, a fé cristã não permite, como ensina o mandamento “não matarás”.
Sermos discípulos de Cristo é empenhar-nos na defesa da dignidade humana. Toda e qualquer ideologia deve ser promover e defender a dignidade humana. Todas as ideologias que não se empenham na defesa desta causa, devem ser rejeitadas. Paulo não sugere uma solução paternalista, mas radical: o escravo será de ora em diante irmão, seja porque partilha a mesma fé, seja pela sua condição humana. Por isso, o cristão deve estar na primeira fila na defesa da liberdade, dos direitos fundamentais e da inviolável dignidade humana.
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo