Grupo Planalto de comunicação

A Sagrada Escritura e o compromisso com o pobre

Pe. Ari Antonio dos Reis

Neste último domingo do mês de setembro a Igreja no Brasil celebra o dia da Bíblia assinalando a importância da Sagrada Escritura na animação da ação evangelizadora especialmente da liturgia. O texto das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, ainda em vigor, afirma que a Igreja se funda sobre a Palavra de Deus e vive dela (…) O povo de Deus encontrou sempre nela sua força e, também hoje, a comunidade eclesial, cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus (cf. CNBB, 146). A Sagrada Escritura permanece como patrimônio dos cristãos e fonte que abastece a vida de fé.

A Palavra de Deus também é critério de conduta para todos os que buscam fidelidade ao projeto de Deus, o autor e cuidador da vida humana no sentido de que seja vivida com dignidade por cada homem e mulher. Nesta perspectiva são significativos os textos sugeridos para este 26º domingo do Tempo Comum, especialmente a profecia de Amós, primeira leitura e o Evangelho de Lucas.

Amós era um pastor de ovelhas e cultivador de sicômoros, espécie de figueira nativa dos países orientais. Vivia na cidade de Técua de onde foi chamado para a missão profética. Atuou durante o reinado do Rei Jeroboão II, no oitavo século a.C. Foi chamado por Deus para atuar em um tempo de grande prosperidade econômica do Reino de Israel, uma espécie de milagre econômico, fruto da expansão territorial, porém contrastando com o endividamento, perda das terras e escravidão da população camponesa, da qual Amós era descendente. Entre as dificuldades do povo se destacava a experiência religiosa que não era mais um caminho de culto sincero a Deus, mas de disseminação de corrupção como o próprio profeta denunciava: longe de mim o barulho de seus cânticos. Nem quero ouvir a música de suas liras. Eu quero sim, isto sim, é ver brotar o direito como água e correr a justiça como torrente que não seca (Am 5,23-24)

Neste contexto lê-se o texto proposto para este domingo, Amós 6,1a.4-7. O profeta chama a atenção aos ricos e poderosos que, de forma equivocada, viam da riqueza construída a partir de roubos e corrupção e viviam isso como bênção divina porque imaginavam-se protegidos por Deus. Viviam uma vida ociosa, insensíveis à dor e sofrimento dos pobres. Seriam os primeiros a irem para o exílio como castigo pela conduta contrária ao mandamento divino. O texto de Amós apresenta uma crítica social contundente plasmada pela crítica à conduta religiosa falaciosa que é contrária à vontade de Deus. Amós ensina que toda a prosperidade de um povo deve estar alicerçada na justiça social e na fraternidade. Toda a riqueza construída de forma injusta é pecado aos olhos de Deus.

O Evangelho de Lucas (16,19-31) dialoga com o texto de Amós. Jesus está a caminho de Jerusalém e este percurso é marcado pela ação catequética do Filho de Deus. Ele aproveita para ensinar o discipulado e a multidão e abrir diálogo com aqueles que resistiam a sua proposta como é caso dos interlocutores da parábola que ora contou aos fariseus. Jesus contou uma parábola e, portanto, carregava uma pretensão pedagógica educativa, dirigida a quem o escutava. A parábola tem dois personagens, a saber um rico sem nome e o pobre Lázaro.

Segundo o texto, o rico se vestia com roupas finas e elegantes, fazia festas esplêndidas todos os dias (Lc 16,19). Não muito distante, ou seja, no mesmo espaço de vida, à porta da casa do rico, estava Lázaro, alguém com um rosto e uma identidade, como todos os pobres. São muito mais que apenas números ou estatísticas frias. São homens e mulheres, criados à imagem e semelhança de Deus. Lázaro tinha uma vontade, matar a fome com as sobras da mesa do rico (Lc 16,21).

Todavia, a morte, realidade no horizonte de todo o ser vivo, alcançou ambos. O abismo estabelecido em vida devido ao egoísmo do homem rico, se perpetuou na eternidade, porque Lázaro, segundo a tradição semita, foi para os braços de Abraão e o rico padeceu os tormentos do inferno, ou seja, passou a experiência sem Deus. Mesmo lá ele imaginava que Lázaro deveria servi-lo, certamente como era servido pelos seus funcionários. Pedia que Abraão mandasse Lázaro lhe refrescar a língua com uma gota d’água, uma ironia para quem vivia de banquetes (Lc 16,24). O sofrimento não lhe trouxe conversão. Imaginava que o pobre Lázaro haveria de lhe servir. Entretanto o abismo estava estabelecido e não havia como mudar. A ausência de comunhão construída em vida, quando ignorava Lázaro na sua porta, se perpetuara na eternidade e não seria possível transformação.

Por fim, ainda inconformado, faz outra solicitação. Pede que alguém avise aos seus para que se precavessem e não seguissem o mesmo caminho, o pecado da omissão, insensibilidade e egoísmo diante dos pobres, que lhe legou a condenação (Lc 16,28). É lembrado, porém, que eles já sabem o caminho a seguir. Deveriam escutar Moisés e os profetas (Lc 16, 29), que já prescrevem o compromisso com os pobres (Dt 15,11; Am 5,24) e defendem a igualde e fraternidade entre todos. Mesmo a aparição de um ressuscitado, o fato extraordinário, não seria capaz de transformar um coração endurecido se este não manifestar a vontade de conversão.

Pe. Ari Antonio dos Reis

Facebook
Twitter
WhatsApp