Grupo Planalto de comunicação

Dia Nacional da Consciência Negra: a celebração e o testemunho

A data de 20 de novembro está definida no calendário nacional como feriado em vista do Dia Nacional da Consciência Negra. A referência histórica diz respeito à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo localizado na Serra da Barriga, Estado de Alagoas. Esta memória tem profundo significado para a maioria do povo negro brasileiro. Os negros somam cerca de 55,7% da população, segundo dados do IBGE, aferidos no último censo demográfico em 2022. Estão subdivididos entre pretos, 10,2%, e pardos, 45,3%. Os dados são frutos de um cadastro fundado no autoreconhecimento racial, que permite que a pessoa se autodefina quanto à sua pertença racial.

Para estes, o Dia Nacional da Consciência Negra acentua um significado especial pela força das duas expressões conjugadas: consciência e negra.

A expressão consciência carrega dois sentidos, derivados do termo latino conscius, que significa saber. Então, é o sentimento ou conhecimento que dá condições ao ser humano de vivenciar, experimentar e compreender aspectos do seu mundo interior. Também pode ser lida no sentido da percepção que o ser humano possui do que é moralmente certo ou errado naquilo que faz ou se omite em fazer. Em relação aos negros, é possível conjugar os dois significados e agregá-los no que diz respeito à sua trajetória como afro-brasileiro. Ter consciência implica em saber, conhecer-se negro, viver no cotidiano e compreender esta dimensão histórica na sua trajetória de vida, assim como suas consequências. Outro caminho possível, porém complexo, seria ser negro ou negra inconsciente dessa condição dada pela história ou negando esta condição.

Ao longo da história, para muitos negros, o “ser negro ou negra” implicou negações e privações, justamente pelo fato de a negritude ser objetivamente carregada intencionalmente de negatividade e pejorações, como forma de sustentar o histórico processo de escravização. O caminho para sustentar ideologicamente o projeto escravagista moderno era justamente desconstruir todos os elementos positivos ligados ao povo negro, e esta proposta foi assimilada historicamente. Foi naturalizada ou feita normal, porque não era natural e não era normal.

A construção do termo consciência negra é uma ação política fortalecida ao longo da história a partir da memória de Zumbi dos Palmares, que visa, como reação e reparação ao processo de racismo e outras formas de diminuição dos negros e negras, demarcar de forma positiva toda a história do povo negro, que não se fixa ou se restringe ao projeto escravagista e suas justificativas. Existia antes e se prolonga depois do cativeiro.

Nestes tempos, a data tem um marco celebrativo. Celebrar as vitórias e conquistas que não vieram gratuitamente, mas foram consequência de muito trabalho e, por isso, devem ser celebradas com alegria. Tal celebração convida a olhar a história de resistência e reconstrução permanente iniciada desde as senzalas, passando pelas irmandades, quilombos e confrarias e se configurando hoje nos diferentes campos de atuação política.

A celebração das conquistas convida a olhar para o futuro, na percepção do caminho que se tem para percorrer e, certamente, uma das pautas urgentes que está no horizonte próximo é o enfrentamento da sociedade racista. O racismo entranhado na estrutura da sociedade brasileira é o grande entrave que impede uma vida digna e feliz para o povo negro, como assegura o Documento de Aparecida: “a Igreja denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada à imagem e semelhança de Deus” (DAp 533). O enfrentamento do racismo é uma decisão inadiável em nossos tempos. Carecemos de uma sociedade antirracista.

Paralelo ao enfrentamento do racismo, faz-se necessária a formação de uma consciência antirracista. O recorte diz respeito às novas gerações, nossas crianças, adolescentes e jovens. O diálogo dar-se-á por meio da educação formal, especialmente pela Lei 11.645/2008, e também através de outras iniciativas ligadas à formação. Chamo a atenção para uma iniciativa provocada pelo Papa Francisco, o Pacto Educativo Global, e a esperança de um novo horizonte para a humanidade viabilizado pela educação.

O Dia da Consciência Negra provoca a reflexão sobre a dívida histórica que esta nação tem para com o povo negro. Ela não pode permanecer velada ou tratada como assunto de segunda ordem. É assunto de Estado e deve ser tratado como tal, acolhendo possíveis metodologias para a sua reparação.

Compreendamos que, por contingências históricas, o Brasil tem a marca da diversidade. É um país diverso e, no futuro, continuará diverso, com um grande acento da matriz afro-brasileira. É importante acolher a diversidade como fator de enriquecimento e como desafio à convivência, respeitando a alteridade, o lugar do outro, da sua história e sua cultura.

Os negros e negras, neste dia 20 de novembro, junto à celebração, são convidados ao testemunho. Este testemunho se funda nos nossos antepassados que resistiram bravamente em diferentes frentes: cultura, luta social, política, frentes religiosas, entre outras. Não conseguiram apagar a nossa história. Aliado à celebração, o grande testemunho será continuar resistindo e encontrando caminhos para continuar caminhando. Estamos no ano jubilar.

Somos peregrinos de esperança. Temos motivos para continuar a esperançar e ser sinais de esperança, para testemunha-la a partir do nosso lugar de povo preto.

Pe. Ari Antonio dos Reis

Facebook
Twitter
WhatsApp