O Rio Grande do Sul está entre os estados com as mais altas taxas de detecção de AIDS do Brasil. Entre os 10 municípios que lideram o ranking de infecções por HIV, cinco são gaúchos. As informações, que estão no Boletim Epidemiológico 2022, do Ministério da Saúde, foram debatidas em audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, na tarde desta segunda-feira (5). A iniciativa partiu da presidenta do colegiado, deputada Laura Sito (PT), da deputada Luciana Genro (PSOL) e do deputado Leonel Radde (PT), que consideram que há uma epidemia generalizada de AIDS, sífilis e hepatites virais no estado.
O documento do governo federal demonstra que o RS lidera também taxas de detecção de HIV em gestantes, com um coeficiente quase 3 vezes maior que a média nacional e maior coeficiente de mortalidade, com 1,8 vezes acima da média nacional. Mesmo assim, o representante do Ministério da Saúde, Dráurio Barreira, anunciou que a meta da pasta é eliminar AIDS até 2030. Para isso, o ministério prevê a adoção de um conjunto de ações que envolvem a remoção de barreiras ao diagnóstico com o uso de testes rápidos, a redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento com antiretroviral e a disponibilização da Profilaxia Pré-Exposição (Prep HIV), que consiste na tomada de um comprimido por dia que prepara o organismo para o contato com o HIV, antes de relação sexual de risco.
Ele ressaltou ainda que o enfrentamento efetivo à doença transcende a área sanitária e exige o combate efetivo ao estigma, ao preconceito, ao racismo, à homofobia e à transfobia, além de políticas de distribuição de renda e assistência social. Anunciou também que o governo federal está colocando em ação uma estratégia voltada para o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amazonas, Ceará e Mato Grosso do Sul com propósito de reduzir os índices de infecções. No RS, será implementada a partir do dia 16 de junho nos municípios de Porto Alegre, Gravataí, Novo Hamburgo, Caxias do Sul e Rio Grande.
Epidemia invisível
As diversas manifestações de ativistas sociais e representantes da sociedade civil na audiência sinalizaram para a ineficácia do modelo de tratamento em vigor, escassez de oferta de serviços, falta de recursos, descaso com a doença e preconceito com os doentes. A coordenadora do Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS no RS (GAPA), Carla Almeida, considera que a invisibilidade que marca a epidemia no estado é resultado do descompromisso político dos gestores públicos, da fragmentação da atenção básica da saúde e do estigma que acompanha os soropositivos. Ela apontou ainda a existência de ações sobrepostas e sem coordenação, que não produzem resultados efetivos. “É preciso mudar com urgência o modelo de atendimento, que deve ser centrado nas pessoas”, defendeu.
A coordenadora do Movimento Igualdade Guaíba, Bit Barbosa, revelou que a situação no interior do estado é pior do que a vivenciada na Região Metropolitana, por conta do forte preconceito que cerca a AIDS. “O preconceito está matando as pessoas. Há pacientes que estão desistindo do tratamento por conta da discriminação (nas unidades de saúde)”, denunciou.
Outro aspecto abordado pelos ativistas foi a baixa testagem no estado, especialmente, nas unidades de saúde. O representante da AHF Brasil, entidade que atua na prevenção, diagnóstico e tratamento da AIDS em 45 países com atuação em Porto Alegre e Viamão, Beto de Jesus, disse que, além dos poucos testes, grande parte dos diagnosticados não estão chegando aos serviços de saúde para acompanhamento. Revelou que, de setembro de 2020 a dezembro de 2022, só 682 pessoas com diagnóstico positivo foram matriculadas para receber tratamento.
Contraponto
A representante da Secretaria Estadual de Saúde Letícia Ikeda afirmou que o enfrentamento às doenças transmissíveis é uma das prioridades inscritas no Plano Estadual de Saúde. Adiantou que os espaços especializados serão fortalecidos e que a secretaria vem dialogando sobre o problema com o Ministério da Saúde.
Já a representante da prefeitura de Porto Alegre Daila Alena contestou os números relativos à testagem. Segundo ela, no primeiro quadrimestre deste ano, foram realizados cerca de 34 mil testes na capital.
Parlamentares
A deputada Luciana Genro declarou que a epidemia de AIDS é invisível porque “as vítimas são invisíveis e não são prioridades para os governos”. “Se envolvesse a classe média e classe média alta a conduta seria outra”, criticou a parlamentar, que preconiza o engajamento das três esferas administrativas e a destinação de recursos estaduais no combate à doença.
A presidente da comissão disse que o avanço da epidemia foi facilitada pelo obscurantismo e negacionismo que cresceram no país no governo de Jair Bolsonaro. Para reverter o quadro, ela defendeu uma articulação política interinstitucional, a participação efetiva dos municípios e a sensibilização da sociedade.
A deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) e o deputado Leonel Radde (PT) também se manifestaram por meio virtual.