Há alguns anos, o Papa Francisco tem proposto para a Igreja e para todos os homens de boa vontade a celebração do Dia Mundial dos Pobres, que ocorre comumente no penúltimo domingo do Tempo Comum, antecedendo a festa de Cristo Rei do Universo. Ele contribui para essa celebração propondo uma reflexão que orienta a prece e as meditações de toda a Igreja.
A preocupação com os pobres é inerente à tradição cristã. No Antigo Testamento, é um compromisso dos membros do povo de Deus cuidar dos necessitados, como expressa o livro do Deuteronômio a respeito do ano sabático: “Abre a tua mão ao pobre” (Dt 15,11). Essa temática é retomada na literatura profética de forma contundente, denunciando aqueles que praticam injustiça contra os pobres: “Vocês que oprimem os fracos e esmagam os indigentes” (Am 4,1), e apontando o atendimento ao pobre como critério de jejum que agrada a Deus: “Repartir o pão com quem tem fome e hospedar em casa os pobres” (Is 58,7). Nos livros sapienciais, essa preocupação recebe grande ênfase, como no livro dos Provérbios, que descreve a atitude de uma mulher virtuosa: “Ela estende a mão ao pobre e o braço ao indigente” (Pr 31,20). No Eclesiástico, encontramos a orientação de estender a mão ao pobre para que a bênção seja completa (Eclo 7,32).
O Novo Testamento apresenta a prática de Jesus como plenamente comprometida com os pobres. Ele anuncia que foi ungido pelo Pai para estar com eles e libertá-los de seus sofrimentos (cf. Lc 4,16-20). Jesus se alegra e louva a Deus porque os pobres e pequeninos compreendem suas palavras, convidando-os a partilharem seus fardos pesados (Mt 11,25-27). Ele envia os discípulos para aliviar as dores e sofrimentos dos mais pobres de seu tempo, já que a doença e a possessão eram motivos de exclusão e pobreza (Lc 9,1-6). Tiago, um dos apóstolos, manifesta-se de forma contundente em favor dos pobres, afirmando que toda riqueza injusta, construída às custas do sofrimento do inocente, é pecado (Tg 4,13-17).
A Igreja de Cristo também se coloca como defensora dos pobres, assumindo esse compromisso evangélico com o próprio Jesus, como afirmou o Papa Bento XVI no discurso de abertura da Conferência de Aparecida em 2007: “A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza” (cf. 2 Cor 8,9). A opção pelos pobres, que implica cuidado e atenção para com esses irmãos, nos aproxima deles, de Deus e de seu Filho Jesus Cristo, sob a inspiração do Espírito Santo.
Esse compromisso abrange a dimensão vertical da fé, a proximidade com Deus, e a dimensão horizontal, a proximidade com o irmão empobrecido. O compromisso com os pobres não é um modismo passageiro, mas um compromisso constitutivo da tradição cristã, reforçado ao longo da história.
A mensagem do Papa Francisco para este ano traz uma proposta de espiritualidade comprometida, oferecendo uma reserva de lucidez diante de tantas propostas de espiritualidades intimistas, que tendem a afastar a pessoa dos desafios do mundo, entre eles o desafio da pobreza. O lema sugerido é extraído do livro do Eclesiástico: “A oração do pobre eleva-se até Deus” (Eclo 21,5).
Essa reflexão dialoga com a preparação para o Jubileu Ordinário de 2025, reconhecendo que a oração é um vínculo profundo entre a realidade humana e a vontade divina. O foco especial é a oração do pobre. O autor do Eclesiástico assegura que ela chega até Deus, pois Ele escuta sua súplica, considerando que os pobres ocupam um lugar privilegiado em Seu coração.
A partir dessa constatação, o Papa Francisco reitera o chamado para o cuidado espiritual dos pobres, uma missão dos cristãos e uma missão especial da Igreja: “Neste ano dedicado à oração, precisamos fazer nossa a oração dos pobres e rezar com eles. É um desafio que devemos aceitar e uma ação pastoral que precisa ser alimentada”.
Ele reforça esse pedido, retomando o que escreveu na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: “A pior discriminação que os pobres sofrem é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus, e não podemos deixar de lhes oferecer a Sua amizade, a Sua bênção, a Sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé. A opção preferencial pelos pobres deve traduzir-se, principalmente, numa solicitude religiosa privilegiada e prioritária” (EG 200).
Devemos nos preocupar com o cuidado dos pobres, para que vivam com dignidade, sendo atendidos tanto em suas necessidades físicas quanto em sua espiritualidade.
Pe. Ari Antonio dos Reis