Entre o rigor do clima, a lida campeira e os ventos da Revolução Farroupilha, nasceu um traje que carrega tradição, resistência e funcionalidade: o chiripá farroupilha. Muito além de um símbolo estético, ele representa o dia a dia do peão gaúcho do século XIX, especialmente durante os tempos da Guerra dos Farrapos (1835-1845).
Esse conjunto de roupas, usado por soldados farroupilhas e campeiros, não apenas protegia contra o frio e as intempéries, mas também facilitava o movimento no lombo do cavalo e nas tarefas do campo. Cada peça tinha função específica e carregava, ao mesmo tempo, valor simbólico e político.
O chiripá e suas funções práticas
A peça central do traje, o chiripá, era um pano inteiro amarrado à cintura, passado entre as pernas. Confeccionado em tecido liso ou listrado (com barras nas laterais), era muitas vezes complementado por franjas e, por seu formato, permitia mobilidade sem deixar de proteger contra o frio.
Por baixo, usava-se a camisa, geralmente de algodão ou linho, de gola ampla e mangas longas, fechada com cadarços ou botões. O colete ou jaleco, com uma única fileira de botões, e a jaqueta de tecido encorpado, ajudavam a manter o peão aquecido até mesmo nos dias mais duros do minuano.
As ceroulas, por sua vez, eram feitas de algodão ou macramê, com franjas usadas por dentro do chiripá. Tinham comprimento próximo ao joelho, sem cobrir demais as pernas, o que evitava encharcar-se em áreas alagadas.
Símbolos no lenço e no chapéu
O lenço era peça de forte carga simbólica. Usado no pescoço ou na cabeça, podia representar a posição política do portador. Um lenço vermelho na cabeça indicava o lado farroupilha; no pescoço, sinalizava o republicano. Já o uso no pescoço, com outras cores, era mais comum para quem não desejava demonstrar posição política.
Os nós nos lenços também tinham significados diversos, como o “nó de rapadura”, formado por dois topes e muito usado durante o período da revolução.
Já o chapéu, de feltro e com barbicacho de seda, variava conforme o uso do lenço. A combinação entre chapéu, lenço e modo de vestir revelava a identidade do peão e até sua afiliação ideológica.
Guaiaca, botas e a indumentária completa
A guaiaca, faixa de couro usada para guardar pertences ou armas pequenas, podia ter até três bolsos. Acompanhava a indumentária o uso de botas tradicionais, sempre em couro e de cores escuras, era vedado o uso de botas brancas.
A faixa de lã, geralmente vermelha ou bege, amarrada na cintura, completava o visual, funcionando como cinto e proteção para a lombar. As esporas eram opcionais, mas muito utilizadas durante cavalgadas ou combates.
Mais que vestuário, uma marca cultural
A roupa do peão farroupilha não era apenas proteção contra o clima: era um espelho da realidade social e política do tempo em que vivia. Refletia o ambiente rural, a necessidade de praticidade e também a convicção de quem acreditava em um ideal de república.
Hoje, essa indumentária é preservada em CTGs, grupos tradicionalistas e encenações históricas, não como fantasia, mas como memória viva de uma época em que o poncho e o chiripá falavam tão alto quanto a lança ou o cavalo.