Grupo Planalto de comunicação

Eu parei para ouvir Elion Eu vi Elion. Não o conhecia, mas o vi. E isso basta.

Foto: Jeferson Vargas / Elion Claiton Cavion nas ruas de passo fundo

Na noite mais fria do ano em Passo Fundo, quando o termômetro tremia perto dos 5 graus e o silêncio dominava a Avenida Presidente Vargas, uma voz solitária ousava ecoar. Um homem, um violão e uma coragem que poucos têm: cantar no meio da noite, como se o frio não doesse tanto, como se o mundo tivesse parado só para escutá-lo.

Eu vi Elion. Não o conhecia, mas o vi. E isso basta.
Vi o que quase ninguém mais vê.

Desci do carro. Fiz o que tantos evitam: caminhei na direção daquilo que incomoda, que nos tira da zona de conforto, que denuncia que existe algo fora do nosso roteiro diário. Cheguei perto daquele que buscava transformar o frio em espetáculo, daquele que, mesmo invisível para a maioria, transformava a solidão em arte.

Elion Claiton Cavion, de Caxias do Sul.
Um homem. Um andarilho. Um artista.
Não sei sua história, e talvez nem ele a saiba por inteiro. Mas ali, em pé, cantando como se fosse para uma multidão, ele me contou tudo sem dizer quase nada.

Cantava suas dores. Suas perdas.
Cantava sobre a família que já teve. Os filhos que ficaram.
Cantava o que a vida tirou. Cantava sobre o que restou.

E eu pedi uma música. Pedi para registrá-lo, não para viralizar em redes sociais, mas para guardar. Para lembrar. Para mostrar que alguém parou. Que alguém o viu.

Sua voz era grave, como se cada palavra fosse carregada de um pedaço do mundo nas costas. Uma voz que rasgava o silêncio como o vento gelado que ecoava naquela rua. Uma voz que não pede desculpas por existir. Que não mendiga atenção. Apenas canta.

E, no fim da canção, agradeci. Aplaudi como se estivesse em um teatro, e por que seria diferente? Era o teatro da rua, do acaso, da vida de verdade, que muitas vezes nem percebemos.
Ao caminhar para o carro, ainda tentando entender por que parei, por que aquela situação me chamou a atenção, ouço Elion me perguntar:

— Você parou o carro e desceu só para me ouvir?

— Sim, Elion. Foi exatamente o que eu fiz.

E ele, num gesto improvável, jogou o chapéu no chão e gritou:

— Eu tiro o chapéu pra você! Obrigado, meu amigo!

Depois, um breve sorriso que não pede piedade. Um sorriso que, talvez, tenha sido o primeiro do dia, sumiu pela avenida como se nunca tivesse estado ali. Mas esteve. Estava. E estará em cada Elion que perambula pelas cidades, pelas calçadas, pelos olhares que desviamos.

O frio naquela noite era só pano de fundo. O frio real é o da indiferença.
É o de não enxergar o humano por trás das roupas sujas, por trás da barba por fazer, por trás do cheiro, por trás do medo que aprendemos a sentir dos que têm tão pouco.

Quantos Elions estão pelas esquinas, esperando não aplausos, mas um olhar que diga: “eu te vi”?
Quantos artistas de rua tocam um instrumento para não enlouquecer?
Quantos dormem sonhando apenas com um “boa noite” sincero?

Não sei por que eu parei. Mas sei que parei.
E, às vezes, parar é tudo o que um ser humano precisa para continuar sendo humano.

 

Facebook
Twitter
WhatsApp