A tradição cristã assinala no dia 14 de setembro, a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Pode parecer estranho celebrar um símbolo que trouxe a morte ao salvador do mundo. De fato, ela faz a memória da crucificação de Jesus Cristo que passou a ser uma marca importante da fé cristã. A cruz está presente nos locais considerados sagrados.
Nas celebrações litúrgicas a cruz é colocada em lugar de destaque. Muitos a usam como marca da fé que tentam seguir. A cruz esteve presente na pregação dos primeiros cristãos como assegura Paulo: “nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, loucura para as nações”. (1Cor 1,23). Neste sinal de contradição está a sabedoria de Deus agindo no seu Filho e, como o próprio Paulo assegura, “confunde o mundo”, porque sua loucura é mais sábia que os homens, e sua fraqueza é mais forte que os homens (1Cor 1,25). Deus escolheu o caminho da cruz como forma para revelar seu amor e comunicar a vida (Bortolin, p. 774).
A Festa da Exaltação está ligada à memória da Sexta-Feira Santa, dedicada à paixão e crucificação do Senhor. Ali acentua-se o gesto corajoso de doação de Jesus por toda humanidade. Ele enfrentou a cruz mesmo sabendo da sua inocência. No mês de setembro celebra-se a cruz a partir de uma ressignificação. Ela é vista como instrumento de salvação, fonte de santidade e símbolo revelador da vitória de Jesus sobre o pecado, a morte e todo o tipo de mal. Em Jesus, a cruz é proposta como instrumento de salvação para todos os que crerem nele, como afirma a oração proposta para o dia: quisestes que vosso Filho Unigênito sofresse o suplício da cruz para salvar o gênero humano; concedei que, tendo conhecido na terra este mistério, mereçamos alcançar no céu o prêmio da redenção (cf. MR p. 800)
A ressignificação da cruz acontece na história porque é nela que Deus age em vista da salvação da humanidade. Até a encarnação de Jesus a cruz era instrumento de tortura e morte dos diferentes povos. O império romano a utilizava como instrumento contra os adversários do regime. E expunha os crucificados publicamente como aviso para que ninguém se opusesse ao regime do imperador.
Nesta perspectiva, como a Palestina estava sob o domínio romano, compreende-se que a morte de Jesus foi tramada pelos adversários da elite judaica, todavia executada pelo império romano sob a acusação de que o Nazareno era inimigo do imperador. Os adversários imaginavam colocar um fim, não só na vida do Nazareno, como também no seu projeto e isto se configurou na morte na cruz e na dispersão do grupo do discipulado. Naqueles dias perdurou o vazio de um projeto que, aparentemente, havia chegado ao fim.
A ressurreição de Jesus, a superação da morte de cruz, significou o novo diante dos fatos até outrora acontecidos. Até então, a cruz significava uma realidade definitiva na vida de todos os que a haviam enfrentado. Era a morte humilhante que encerrava tudo. Entretanto Deus ressuscitou seu Filho e a cruz adquire outro significado: pusestes no lenho da cruz a salvação do gênero humano, para que onde a morte teve origem aí a vida ressurgisse (cf. MR p. 801).
Ressuscitado, ele se manifestou aos seus seguidores com as marcas da crucificação, revelando-se vitorioso (Jo 20,19-23). O homem que se apresentara ao grupo não era um fantasma. Era o Ressuscitado.
Os discípulos foram motivados a acreditar na nova realidade, a vitória da vida sobre a morte. Assim, Jesus fez-se o primogênito dentre os mortos (Cl 1,18) antecipando a realidade futura de toda a humanidade crente. A cruz que antes expressava uma morte indigna e realidade última da natureza humana, agora faz-se sinal do compromisso com o projeto de Jesus, o anúncio do Reino, como Pedro e João afirmaram: “não podemos deixar de testemunhar o que vimos ouvimos” (At 4,20).
Deste então a cruz tornou-se compromisso de fé. Quando os evangelistas falam em assumir a cruz, estão falando da necessidade do cristão comprometer-se com a proposta de Jesus. Não existe fé cristã sem compromisso com a cruz de Jesus. É preocupante quando alguns segmentos do cristianismo insistem em pregar um Jesus sem a cruz. É negação da essência da fé cristã.
A salvação dos cristãos passa pela cruz.
Pe. Ari Antonio dos Reis