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O cavalo na cultura gaúcha: tradição, companheirismo e a alma do gaúcho Animal símbolo do pampa, o cavalo é mais do que transporte

Reprodução: Eduardo & Mônica

No Rio Grande do Sul, o cavalo não é apenas um meio de locomoção. É um companheiro de vida, parte do cotidiano e da história.

A sina do cavalo

Antigamente, quando um cavalo envelhecia ou sofria alguma debilidade que o tornava inapto ao serviço, o costume era deixá-lo solto em uma invernada (pasto de longa extensão, cercado de obstáculos naturais ou artificiais que se destina ao descanso), onde podia viver seus últimos dias em paz, ninguém mais o tocava. Seus pelos cresciam, a cola arrastava no chão, e ele morria em sua querência, sem ter sequer o couro aproveitado. Para o gaúcho, o cavalo merecia esse descanso, pois já havia pagado com sobra o pasto que comeu durante toda a vida.

Esse respeito se estendia à memória do animal. Os peões relembravam suas qualidades nas rodas de mate e conversa, à beira do fogo: “Eta cavalo bom era o pangaré. Nunca metia a mão em buraco. De rédea era uma balança. De cômodo, nem se fala…”. Era comum que o cavalo virasse protagonista de histórias de coragem, trabalho e fidelidade.

Hoje, no entanto, a tradição enfraquece. Muitos cavalos, ao envelhecerem, são vendidos por preço irrisório para abatedouros, sem qualquer consideração pelos anos de serviço prestados. É a influência do homem urbano, que, ao assumir funções no campo sem conhecer a lida campeira, altera o ambiente e esfria os valores dos antigos gaúchos.

Curiosamente, a expressão “morreu com a sina do cavalo” também tem outro significado no vocabulário campeiro: refere-se ao homem que morreu solteiro, sem formar família.

A arte de ginetear

A doma de cavalos, ou gineteada, é uma das práticas mais tradicionais e desafiadoras da cultura gaúcha. O processo começa na mangueira: o potro é laçado, derrubado no chão e imobilizado por dois homens, um segura o topete, o outro segura a cola. Em seguida, coloca-se o buçal, a maneia e os demais arreios.

O encilhamento é feito com técnica e cuidado. Nos primeiros momentos, não se usa enxergão, apenas a carona, depois o serigote, a cincha e os pelegos. Os estribos são curtos e firmes, e o cavalo é observado para ver como reage: se vai corcovear, disparar ou se jogar no chão.

O ginete experiente aproxima-se com tranquilidade, com o chapéu afundado na nuca e, às vezes, um cigarro aceso. Monta com agilidade, ajusta-se no arreio e, olhando firme para as orelhas do potro, grita: “Larguem no mais o bicho!”. O animal sai aos saltos, tentando livrar-se do jinete. A luta começa.

Nesse momento, o domínio não é só físico, mas mental. O domador precisa entender os movimentos do cavalo, respeitá-lo e mostrar liderança. Se o potro cair, o ginete deve saltar com destreza, evitando ficar preso ou ser pisoteado.

Era com coragem e riso no rosto que esses homens enfrentavam a brutalidade da lida. Eram tempos em que o cavalo não era apenas parte do trabalho, era parte da alma.

Atualmente, os cavalos ainda fazem parte do cotidiano da lida campeira do gaúcho, embora não com a mesma intensidade de antes. Ainda assim, a mensagem que permanece é a de que devemos sempre valorizar as tradições antigas, sem desmerecer as novas.

Essa matéria foi realizada com informações do livro “Mala de Garupa” de Raul Annes Gonçalves.

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