Repercutimos, nesta coluna semanal, mais uma publicação do professor Altair Fávero, da UPF (Universidade de Passo Fundo) sobre como o pensamento faz a grandeza do ser humano.
Esta reflexão está publicada no site www.neipies.com
Blaise Pascal (1623-1662), foi um importante pensador do século XVII. Segundo seus biógrafos, desde cedo revelou um espírito extraordinário, não só pelas respostas que dava a certas questões, mas sobretudo pelas questões que ele mesmo levantava a respeito da natureza das coisas. Perdeu sua mãe com três anos de idade e foi basicamente educado por seu pai, um matemático que se encarregou de dar-lhe a melhor instrução possível.
O pai queria que o filho estudasse línguas e, mesmo sendo matemático, evitou que o filho tivesse contanto com a ciência dos números, prometendo-lhe que teria acesso a ela depois que soubesse com profundidade latim e grego. Apesar disso, Blaise sentiu-se profundamente atraído pelas figuras geométricas revelando-se em pouco tempo um gênio na capacidade de assimilar conhecimentos abstratos dificílimos.
Não apenas na matemática revelou-se o gênio precoce de Pascal. Aos dezenove anos inventou a máquina aritmética que permitia que se fizesse qualquer operação sem lápis nem papel, sem que se soubesse qualquer regra de aritmética, mas com segurança infalível. Podemos dizer, de certa forma, que tal máquina constitui a base para a invenção da calculadora utilizada até os dias de hoje.
Aos 23 anos de idade, tendo tomado conhecimento da experiência de Torricelli (1608-1647) referente a pressão atmosférica, realizou uma outra denominada “a experiência do vácuo” provando que os efeitos comumente atribuídos ao vácuo eram, na verdade, resultantes do peso do ar.
Pascal viveu num cenário em que prevaleceu a vitória do racionalismo filosófico e o mecanicismo científico. O desenvolvimento de uma nova forma de ver o mundo provocado pelo pensamento filosófico e pela revolução científica moderna substituiu tanto o mundo geocêntrico dos gregos quanto o mundo antropomórfico da idade média. Trata-se da substituição da ideia de uma ciência contemplativa para uma ciência ativa, o que fez com que o homem se transformasse de espectador em possuidor e senhor da natureza. No lugar da preocupação com o “outro mundo” (mundo espiritual), colocou-se o interesse por este mundo (mundo na natureza, físico, material).
A imagem do universo concebida como sendo um organismo governado por uma finalidade foi substituída pela ideia de que existe uma explicação causal e mecanicista de como tudo funciona. Todas essas compreensões e mudanças são possíveis porque o ser humano é capaz de pensar.
Para Blaise Pascal o pensamento faz a grandeza do homem. “O homem não passa de um de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água, bastam para mata-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso”.
Estas ideias escritas por Pascal e publicadas postumamente no obra Pensamentos revelam a lucidez de um pensador marcado pela consciência trágica da vida e da condição humana, apavorado diante “dos silêncios eternos dos espaços infinitos” que perturbam todos aqueles que se dão conta da imensidão do universo e da fragilidade humana. De fato, se nos compararmos ao universo, ao poder destruidor dos fenômenos naturais (tornados, furacões, vendavais, tempestades etc) somos insignificantes, um simples grão de areia diante de um oceano.
No entanto, “a grandeza do homem” é sua capacidade de pensar. É do pensar que surgem as invenções, o domínio da natureza, a forma de organizar melhor a sociedade e as coisas. Mas há uma enorme diferença entre pensar qualquer coisa e pensar bem. O pensar não pode ser comprado com dinheiro ou delegado por procuração.
O pensar não surge espontaneamente, senão por um profundo e trabalhoso processo educacional que exige esforço, dedicação, pesquisa, leitura, conhecimento, sabedoria, ética e honestidade. Quando olhamos para os rumos do Brasil, parece que estamos tomando o caminho contrário do “aprender a pensar”.
Quando a especulação financeira é mais importante que a vida e a saúde das pessoas; quando as banalidades do cotidiano e a forma de vida fútil de certas celebridades recebem mais destaque na imprensa que os grandes problemas sociais como a fome, a mortalidade infantil, a pobreza, o analfabetismo, a falta de saneamento básico, o desemprego e tantos outras emergências; quando o fundamentalismo religioso que produz alienação e subserviência do povo simples é mais valorizado que a educação dos filhos; quando o consumismo de futilidades compromete mais o orçamento da família do que o gasto com as necessidades básica; quando o estado se abraça na racionalidade neoliberal e promove reformas que beneficiam a elite do atraso ao invés de promover a proteção social dos que tem menos – estamos diante de evidências de que o ser humano não quer ou não deseja PENSAR e tornar-se dono das própria ações.
Autor: Dr. Altair Alberto Fávero – altairfavero@gmail.com
Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF